Como é ter um carro elétrico no Brasil

Já faz dez anos que Diogo Seixas usa carro elétrico. O mais recente ele comprou há seis anos. Na época, já era de segunda mão, com 40 mil quilômetros rodados. A história desse engenheiro catarinense ajuda a responder questões que muitos se fazem antes de embarcar numa tecnologia que, para a maioria dos brasileiros, ainda é novidade: quantos quilômetros vou conseguir rodar? E se eu não achar carregador na estrada? Qual é a vida útil da bateria? Vou ficar com um mico no futuro?

Aqui falaremos só do carro puramente elétrico. Ficarão de fora os híbridos, que também oferecem a experiência da eletrificação, mas, ao mesmo tempo, têm o velho motor a combustão, que por si só chega a qualquer canto de um país tão bem servido por postos de gasolina e etanol.

O 100% elétrico, que depende só de tomada para funcionar, é uma experiência totalmente nova para quem até hoje só dirigiu veículos a combustão.

Agrada sob muitos aspectos: o prazer de dirigir um automóvel ambientalmente correto, com bom torque, silencioso e com baixo custo de manutenção. Em contrapartida, desagrada por um só motivo: a ainda deficiente infraestrutura de carregamento nas estradas e as dificuldades em condomínios onde instalar um ponto de energia pode provocar até discussão entre vizinhos.

Qual, então, o maior problema de ter um carro elétrico hoje no Brasil? São os empecilhos que surgem na hora de carregar as baterias. A opinião é unânime entre usuários e motivo da maior parte das queixas de quem vive principalmente fora das regiões Sul e Sudeste, melhor abastecidas pelos carregadores públicos. A infraestrutura avança a cada dia, mas não na quantidade e nos locais que todos precisam.

A recarga se transforma em motivo de ansiedade desde o dia em que a pessoa começa a planejar a comprado veículo. O carro elétrico já vem com um carregador portátil, uma espécie de cabo que liga o veículo a uma tomada. Esse é o mais lento de todos. A recarga pode levar mais de dez horas.

A instalação de carregadores em edifícios construídos sem essa facilidade depende de cada caso. Se cada um tiver sua própria vaga e todos quiserem preparar as garagens para a era da eletrificação, o ideal é contratar uma empresa para instalar dutos para a passagem dos cabos que puxarão a energia do relógio de cada apartamento até a respectiva vaga.

Se não houver consenso, cada interessado terá que puxar o próprio cabo, o que pode virar um problema de sobreposição de cabos à medida que mais moradores decidirem comprar um modelo elétrico.

Outra solução é instalar um medidor de energia na tomada da vaga. O usuário vai usar a energia do prédio, mas, com o medidor, o zelador ou administrador consegue identificar quanto foi gasto naquela tomada e repassar o custo ao condômino. Essa foi a solução adotada por Fares, dono do Ora.

Se as vagas forem rotativas, uma opção é escolher uma ou duas neutras, exclusivas para os carregadores. Nesse caso, a energia gasta pode ser paga por meio de aplicativo, como fazem estabelecimentos como postos de combustíveis e hotéis. Isso evita brigas e o risco de alguém “esquecer” o carro estacionado depois que a bateria estiver carregada.

Para os donos dos elétricos, há falta de informação sobre o tema. Há pouco tempo, a moradora de um condomínio de Santo André contou ao síndico sobre a intenção de comprar um modelo elétrico e questionou como isso seria resolvido na garagem. Ficou surpresa com a resposta que recebeu: “Acho melhor você reconsiderar essa compra e optar por outro tipo de carro”.

A eletrificação também requer uma certa ética. É deselegante, por exemplo, estacionar seu carro a combustão na vaga do elétrico no shopping. E se você tem um modelo elétrico é feio usar a vaga que oferece recarga como cortesia quando a bateria do seu veículo está completa. Aquele lugar é para quem está com pouca carga.

A novidade também provoca o surgimento de mitos — ou dúvidas. Depende do ponto de vista. Carro elétrico pega fogo? A questão foi parar no Corpo de Bombeiro de São Paulo, que em documento publicado no início de abril, sugeriu normas rígidas para a instalação de pontos de carregamento, como espaço de cinco metros entre as vagas e construção de paredes corta-fogo.

A Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) pediu mais prazo e propôs organizar simulação de combate a incêndio. O assunto, agora, é tema de consulta pública.

Os fãs do carro elétrico consideram a discussão fora de propósito. “Isso só pode ser teoria da conspiração”, diz Garcia. Muitos argumentam que tais exigências não existem em países onde a eletrificação está mais adiantada.

Apesar das queixas em comum, sempre voltadas à infraestrutura de carregamento, os proprietários de carros elétricos se tornaram defensores da “causa”. “É um produto fácil de defender”, destaca Fares. E prometem fidelidade. “Não cogito mais ter carro a combustão, sequer um híbrido”, diz Honorato.

Alguns deles abriram novos negócios ligados ao tema. Seixas desenvolve carregadores. Honorato tem uma empresa que faz a instalação de equipamentos. Nas horas vagas, ele ainda atua em canal no YouTube: Meu Carro Elétrico.

Fonte: Valor Econômico