Texto do novo Código Civil prevê expulsão de condômino antissocial

O Brasil deve ter em breve regras para a possibilidade de expulsão do chamado condômino antissocial — proprietário ou locatário com comportamento que ultrapassa todos os limites do aceitável, tornando praticamente impossível a convivência. A questão está incluída no anteprojeto de reforma do Código Civil e em três projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional

No Brasil, apesar de a pena de expulsão não estar prevista em lei, a Justiça tem aceitado, em casos excepcionais, aplicá-la contra condôminos antissociais. Hoje, o artigo 1.337 do Código Civil prevê apenas multa, que pode chegar a dez vezes o valor do condomínio, para casos de incompatibilidade de convivência com os demais moradores.

No anteprojeto do novo Código Civil em discussão,oartigo 1.337, além de admitir a expulsão do condômino antissocial, prevê outras inovações. Em outros países, como Argentina, Espanha, Alemanha, Suíça, México e Guatemala, a possibilidade de aplicação da pena já está prevista em lei. 

Primeiro, o texto do anteprojeto diminui o quórum necessário em assembleia de condomínio para a aprovação de penalidades anteriores à expulsão. Hoje, o Código Civil fala em três quartos do total de condôminos.

Na proposta, esse quórum cai para dois terços dos presentes em assembleia, tanto para a multa de cinco taxas condominiais quanto para a de dez - para caso de reincidência. O mesmo artigo ainda passa a prever essas mesmas penalidades para o devedor contumaz, o que também é novidade.

A expulsão de condômino antissocial está prevista no parágrafo 3º, estabelecendo também o quórum de dois terços para deliberação, em assembleia, da possibilidade de ajuizamento de ação judicial com esse fim. E no parágrafo 4º há a possibilidade de volta do condômino antissocial, com o mesmo quórum. O texto ainda trata da possibilidade de exclusão apenas de um morador da unidade, se ele for considerado o problema.

Já os três projetos de lei (PLs) em tramitação no Congresso tratam a questão da expulsão de forma bem sucinta. Abordam basicamente o quórum mínimo para o ajuizamento de ação contra o condômino antissocial. O PL nº 1448, de 2022, do deputado Rubens Pereira Júnior(PT-MA), prevê um quórum de quatro quintos (80%).

Na sua justificativa, afirma que o Código Civil não estabelece a previsão legal de exclusão de condômino com mau comportamento, mas a jurisprudência e a doutrina têm entendido pelo seu cabimento, como medida excepcional e extrema. O projeto será analisado em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Foi apensado ao projeto de lei um outro como mesmo tema (nº 3.051, de 2023), de autoria do deputado Paulo Litro (PSD-PR). Nele, fala-se em maioria absoluta em assembleia específica para o ajuizamento de ação judicial. Na justificativa diz que é “importante mencionar que mesmo que o condômino tenha o direito à propriedade privada, tal direito deve ser exercido em harmonia com o disposto em outros mandamentos de índole constitucional, dentre os quais se encontram os direitos dos demais condôminos”.

Em setembro, o relator na CCJ, deputado Gervásio Maia (PSB/PB) deu parecer pela constitucionalidade dos dois projetos, mas optou pela redação dada pelo PL nº 1.448, de 2022, que tratou do tema de forma mais “concisa e precisa”, segundo ele. O tema ainda deve ser colocado em votação, o que não tem data para ocorrer.

Já no Senado, tramita o PL nº 616, de 2021, da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), que traz o quórum de três quartos (75%). O texto ainda prevê que o juiz pode darliminar para que o condômino seja obrigado a se afastar do seu imóvel em 48 horas. Nesse caso, o texto aguarda relatoria na CCJ desde maio de 2022.

Luis Rodrigo Almeida, do Dib, Almeida, Laguna e Manssur Sociedade de Advogados, considera o quórum previsto no anteprojeto de reforma do Código Civil limitado. “Numa medida extrema como a exclusão é necessário haver uma representatividade maior”, diz ele, acrescentando que, assim, daria-se mais segurança para todo o processo.

Já com relação às demais previsões do anteprojeto, Almeida afirma que o texto está impecável e traz mais alterações em relação aos projetos de lei. Entre elas, a possibilidade de volta e também sobre a exclusão de apenas um morador da família, se apenas ele for o problema.

Ainda que o tema ainda não esteja previsto em lei, já existem decisões judiciais que admitem, em casos excepcionais, a expulsão do condômino antissocial. A 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve sentença contra um casal de médicos de um condomínio no bairro de Perdizes, em São Paulo, que, além de xingar moradores, chegou a agredir fisicamente o síndico, além de outras pessoas - incluindo uma idosa.

Por unanimidade, os desembargadores entenderam que a imposição de multas seria insuficiente. Eles mantiveram sentença que determinou a saída do casal no prazo de 60 dias. Da decisão, não cabe mais recurso (processo nº 1002457-23.2016.8.26.0100).

Segundo o advogado do condomínio, Fauaz Najjar, do Liserre & Najjar Sociedade de Advogados, o casal teve que se mudar e colocou o imóvel para alugar. “Por coincidência, há alguns dias, a mulher esteve na portaria. Mas ela não conseguiu entrar por conta da determinação judicial”.

O caso, contudo, foi grave e tratou de uma situação extrema, afirma Najjar. “Não é por qualquer briguinha ou discussão que o condômino pode ser considerado antissocial. Tenho falado isso para síndicos que me procuram. Só para situações excepcionais”, diz ele, acrescentando que, apesar do direito de propriedade estar assegurado pelo artigo 5º da Constituição, o proprietário não pode fazer o que bem entende, sem respeitar a coletividade.

Posteriormente, esse mesmo casal, ao mudar para outro edifício, na Vila Pompeia, bairro vizinho de Perdizes, foi condenado a pagar indenização por danos morais a um casal de vizinhos — R$ 10 mil para cada um deles. No processo, há relato de que, por diversas vezes, reclamaram de barulhos, até mesmo quando os vizinhos estavam viajando e o imóvel estava vazio. E que a mulher chegou a chamar os filhos do casal de “muito feios” (processo nº: 1103571-63.2020.8.26.0100). O advogado do casal não foi localizado.

Em outro caso analisado pelo TJSP, os desembargadores determinaram a exclusão de uma moradora que promovia festas particulares frequentes em seu apartamento em Osasco (SP). Ela não se importava com as reclamações e chegava a dividir o valor da multa imposta pelo condomínio entre os convidados (processo nº 0003122-32.2010.8.26.0079).

Também na capital paulista, uma moradora de um edifício na zona norte foi expulsa de seu apartamento. No caso, não cabe mais recurso. A 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP entendeu que havia “prova irrefutável acerca da conduta antissocial e agressiva” e que os condôminos “não mais suportavam a conduta da ré, que se mostrava anormal às regras de convivência em sociedade, devendo ser reprimida” (processo nº 0135761-28.2008.8.26.0000). 

Fonte: Valor Econômico