Carregamento de carro elétrico muda rotina nos condomínios

O advogado Marcio Rachkorsky, especialista em condomínios, está acostumado a esclarecer dúvidas de moradores que, às vezes, acabam até em brigas. Recentemente, começaram a chegar até ele questões relacionadas a carregamento de carros elétricos. O que Rachkorsky não poderia imaginar é que uma dessas discussões ia virar caso de polícia.

O caso envolveu um morador que acabara de comprar um veículo elétrico e ficou indignado ao perceber que o prédio não oferecia tomada adequada. Enfurecido, foi tirar satisfação com o síndico. A discussão acabou com a intervenção da polícia

Quando os carros elétricos começaram a ser vendidos no Brasil surgiu a dúvida de como seria o carregamento, tanto doméstico quanto em locais públicos.

As dúvidas ainda persistem porque a participação dos elétricos nas vendas de carros ainda é pequena. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), em 2023, modelos com baterias recarregáveis externamente representaram 2,67% (52,3 mil unidades) do mercado. Isso inclui os puramente elétricos, que dependem exclusivamente de tomada, e os chamados híbridos “plugin”, que também funcionam com motor a combustão, mas podem ser carregados em tomadas.

Apesar de a fatia ainda ser pequena, esse mercado tem registrado forte expansão. Em 2023, o volume dos 100% elétricos e híbridos “plug-in” cresceu 178,4% na comparação com 2022 e mais do que triplicou em relação a 2021.

Alguns apostam que a demanda vai começar a cair no Brasil, em decorrência da recente decisão do governo de retomar a cobrança do Imposto de Importação para esses modelos. Na Europa, as vendas de elétricos caíram depois que alguns governos suspenderam a concessão de bônus

Por outro lado, modelos mais baratos, na faixa dos R$ 100 mil, começam a chegar, o que pode elevar a demanda. Soma-se a isso a expectativa de produção no país. “As chinesas têm planos sérios”, afirma Pedro de Conti, cofundador da Tupinambá, empresa de tecnologia especializada em serviços de carregamento

Conti lembra que o Brasil ainda precisa expandir a infraestrutura em locais públicos, como rodovias, shoppings e supermercados. Mas esse mercado tem atraído a iniciativa privada, com o envolvimento de montadoras, fabricantes de equipamentos e prestadores de serviços. Em espaços comerciais, a rotatividade de visitantes favorece o interesse em oferecer o serviço.

Já o carregamento doméstico ainda traz dúvidas e debates mais acalorados nos condomínios. Para Rachkorsky, a discussão mal começou porque, na maioria dos casos, os preços dos carros elétricos ainda são elevados. Além disso, as dúvidas em torno da infraestrutura de recarga ainda provocam resistência. O especialista também sente falta de uma regulamentação do poder público, exigindo adaptações desses locais à era da eletro mobilidade.

O mínimo necessário para carregar um carro elétrico é ter, por perto, uma tomada de 220 volts aterrada. A etapa seguinte é a escolha do tipo de carregador. O carro costuma vir com um portátil, de recarga mais lenta — com esse, são necessárias em torno de 12 horas para carregar a bateria. Existem, também, equipamentos conhecidos pelo nome de “wall box”, que oferecem um bom nível de recarga com seis a oito horas. Acima desses, vêm os rápidos e ultrarrápidos, mais comuns em áreas públicas.

Numa casa, a instalação é simples. A discussão começa quando a garagem é área comum para todos os moradores e o prédio foi construído antes de o carro elétrico ser inventado. Se a ideia é adaptar o edifício, a solução é contratar empresa especializada para um diagnóstico da melhor opção. Uma saída é, a partir do medidor de energia de cada apartamento, instalar uma espécie de duto único para levar a energia até a área das garagens.

“A partir dessa instalação, o morador interessado contrata um eletricista para puxar, por meio de cabo, uma extensão dessa central até a respectiva vaga”, explica Marcelo Morelli, proprietário da Difuzão. Criada há 27 anos, a empresa especializada em instalações elétricas percebeu nova oportunidade de negócios quando shopping centers a procuraram para prestar consultoria para a instalação de eletropontos nas garagens.

Nos condomínios, no caso de não haver consenso entre os moradores, a opção é cada interessado chamar um especialista e puxar, do medidor de energia de seu apartamento, um cabo até a vaga. O problema dessa solução, diz Morelli, é, no futuro, faltar espaço físico na chamada “eletrocalha” de cabos se mais moradores decidirem ter carro elétrico.

Outra solução é instalar um sistema inteligente de medição. No condomínio onde mora, em Jaraguá do Sul (SC), Carlos BastosGrillo, diretor-superintendente de digital e sistemas da WEG, os carregadores são conectados na energia do edifício, a mesma de tomadas e lâmpadas da garagem. Ou seja, na conta coletiva. Porém, cada carregador é monitorado por um sistema desenvolvido pela própria WEG, o “smart charger”, que mede o consumo. Com as informações ali colhidas, o síndico ou administrador acrescenta na despesa do condômino o gasto com a energia do carregamento do carro.

Uma vantagem, diz Grillo, é que, no caso de vários veículos estarem conectados em tomadas ao mesmo tempo, o monitoramento inteligente controla o carregamento conforme o nível da bateria de cada um, evitando sobrecarga.

No caso de vagas rotativas, uma opção é definir qual terá ponto de carregamento. O uso da energia pode ser gerenciado por aplicativo, que cobra taxa de serviço. O pagamento é feito com cartão. A solução já é usada em hotéis, segundo Davi Bertoncello, presidente da Tupinambá.

A solução requer bom senso, lembra Arthur Carrão, cofundador da Recharge Brasil, empresa de engenharia e eletromobilidade.“A situação se complica se um morador tiver que aguardar a vez de usar a vaga do carregador enquanto o que deixou o carro lá resolve ir tomar banho mesmo sabendo que sua bateria já está carregada.”

Rachkorsky recomenda que os condomínios se antecipem e encomendem um diagnóstico. Alguns moradores argumentam que sequer pensam em comprar um carro elétrico. Para o especialista, porém, a discussão tende a se tornar cada vez mais coletiva. “Basta comparar com outras despesas. É preciso comprar cloro mesmo que nem todos usem a piscina”, afirma.

Fonte: Valor Econômico