Afastamentos por transtornos de saúde mental sobem 38%

O tema da saúde mental segue vivo nas organizações, em um cenário preocupante. Pesquisa realizada com 8.980 trabalhadores de diferentes níveis hierárquicos no país, obtida pelo Valor, mostra que 48% têm risco de saúde mental, 44% sofrem de insônia, 60% são sedentários e 60% têm sobrepeso e obesidade. As pessoas ouvidas no estudo promovido pela corretora de benefícios Pipo Saúde pertencem a empresas de diferentes tamanhos e setores como tecnologia, varejo e bens de consumo.

Thiago Liguori, Chief Medical Officer da Pipo Saúde, explica que o risco de ter uma questão de saúde mental foi obtido por meio de respostas a questionários que detectam a possibilidade de a pessoa ter transtorno de ansiedade generalizada ou depressão. “Porém, para chegarmos a um diagnóstico, seria necessária uma avaliação com um profissional de saúde. Por isso optamos pelo termo risco de doença”, afirma.

Dados do Ministério da Previdência Social mostram que, em 2023, foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais no Brasil, 38% a mais do que em 2022, quando foram concedidos 209.124 benefícios. Em 2021, foram 200.244. Esses números contemplam os benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e os benefícios por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez).

Para Liguori, um conjunto de fatores causam esse cenário. Um deles é que a pandemia reduziu o estigma do transtorno mental, o que pode ter feito aumentar o número de pessoas que “levantam a mão e pedem ajuda”. Ele comenta, também, que os níveis de estresse, cobrança e insegurança psicológica têm aumentado nas empresas. Isso, associado ao aumento de demissões, carga horária e tarefas executadas, influencia no bemestar mental das pessoas, diz.

O especialista comenta que a penetração dos programas de saúde mental é restrita nas organizações. “Pela pesquisa de benefícios da Pipo de 2023, apenas 36,2% das empresas com até 500 colaboradores ofereciam algum benefício de saúde mental”, diz. “Associado a isso, a maioria dos líderes em empresas não recebe treinamento adequado para acolher e direcionar os colaboradores com alterações na saúde mental, apesar da pauta ser considerada prioridade entre CEOs.”

Liguori acredita que tratar do tema nas empresas com palestras — o que diversas organizações já fazem — é apenas o primeiro passo para uma abordagem integral da saúde mental dos trabalhadores. “As rodas de conversa têm ajudado a colocar o tema na mesa e fazer com que mais pessoas se sintam confortáveis em avaliar o seu status emocional e pedir ajuda, mas ainda existe uma lacuna no diagnóstico e tratamento adequado da força de trabalho.”

Um outro estudo, o People at Work 2023, realizado pelo ADP Research Institute, ao ouvir 32.612 trabalhadores em 17 países, sendo 1.412 no Brasil, mostra como o tema de fato está circulando mais abertamente nas empresas. Globalmente, 68% sentem poder ter conversas sinceras sobre sua saúde física no trabalho e 64% afirmam o mesmo em relação à saúde mental. No Brasil, são 65% e 63%, respectivamente. De todo modo, 57% globalmente e 43% dos brasileiros não acham que seus gestores ou colegas estão preparados para conversar sobre saúde mental no trabalho sem julgamento.

Na visão de Claudio Maggieri, general manager para a América Latina na ADP, a preocupação sobre a saúde mental da força de trabalho tomou uma dimensão mais expressiva durante e logo após a pandemia, “momento em que esses impactos passaram a ser observados e cuidados de forma mais intensiva”. “Creio que, com o passar do tempo, em que pese o fato de essa questão se manter bastante relevante, nem todas as organizações mantiveram a mesma atenção e cuidado à medida que todos passamos a experimentar uma sensação de ‘volta à normalidade’, causando uma percepção de queda no apoio a esse tema”, afirma.

Maggieri entende que o mercado de trabalho ainda está em um processo de aprendizagem sobre os efeitos da saúde mental nos trabalhadores, na execução da estratégia e na geração de resultados. “Ainda que em um movimento crescente, apenas uma parcela das organizações realizou avanços importantes na gestão dos impactos da saúde mental”, diz. “Essa gestão implica em fatores como estratégias de flexibilização, melhoria de clima, transparência e aumento de diversidade.”

O executivo acredita que o mundo do trabalho está em um momento de inflexão que exigirá uma transformação mais profunda nas organizações, “que as permita lidar com esse desafio de forma mais estruturada e sustentável”.

Liguori ressalta que a saúde mental é essencial para que o indivíduo tenha a capacidade de executar suas habilidades pessoais e profissionais. “Investir na saúde dos colaboradores não é apenas responsabilidade ética, mas uma estratégia inteligente para promover um ambiente de trabalho produtivo e sustentável a longo prazo”, diz Marcela Ziliotto, head de pessoas da Pipo Saúde.

Fonte: Valor Econômico