Mais da metade das reclamações enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano trata de questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou uma frequente instância de recursos para tentar impor limites ou corrigir decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Em geral, essa ações apontam que a Justiça especializada estaria se desviando do cumprimento da reforma trabalhista
De janeiro a novembro deste ano, o Supremo recebeu 6.148 reclamações – um tipo de ação que pode derrubar despachos ou atos administrativos que violem súmulas vinculantes. Deste total, 3.334 são relacionadas ao direito do trabalho. O levantamento realizado pelo Estadão mostra que o tema já equivale a 54% das reclamações que chegam ao STF. Esse índice subiu pelo segundo ano seguido. Em 2018, no ano posterior à reforma, essas reclamações contra decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no Supremo somavam 41%.
Os motivos para a quantidade de reclamações envolvem, na maioria dos casos, questionamentos sobre interpretações que a Justiça dá às novas relações de trabalho ou mesmo em relação a decisões sequenciais pró-trabalhador. Alguns ministros do STF têm criticado a maneira com que decisões desse tipo têm sido proferidas na esfera trabalhista do Poder Judiciário.
“O órgão máximo da Justiça especializada, o TST, tem colocado alguns entraves em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que se busca e se tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção”, disse o ministro Gilmar Mendes em sessão da Segunda Turma do STF no último dia 17 de outubro.
As críticas foram feitas enquanto a Turma julgava a reclamação de empresários da área de investimentos contra uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região (TRT-1) que reconheceu vínculo empregatício de um ex-funcionário que prestou serviços no regime de contrato de pessoa jurídica (PJ). Na ação apresentada ao STF, os empresários argumentaram que o TRT-1 condenou a “pejotização” e “proibiu a terceirização”. A Segunda Turma reverteu a decisão do TRT-1.
‘RESISTÊNCIA’. Para o professor de direito trabalhista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Renato Fernandes da Silva, parte dos magistrados da Justiça do Trabalho tem resistido às mudanças promovidas pelo governo Michel Temer (MDB) com a reforma trabalhista de 2017, o que, na avaliação dele, contribui para a explosão de reclamações no STF.
“A ideia desse grupo é, através da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é legislador. Então, eles começam a declarar tudo inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai parar onde? No Supremo”, afirmou o professor.
O CEO do Bradesco e presidente do Conselho Diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Octavio de Lazari, chamou a atenção para o assunto em palestra no último mês. “Temos 42 mil processos trabalhistas na Justiça. Não estou dizendo que somos santos, que não erramos. Mas 42 mil processos é absurdo”, disse. Segundo o executivo, o número de processos e valores envolvidos é atualizado e discutido semanalmente no banco. “O cível é outro grande desafio. A forma como certos escritórios de advocacia agem é preocupante.”
LEGISLAÇÃO. A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, afirmou que parte dos casos que têm chegado ao STF envolve a prática de “pejotização fraudulenta”, quando estão presentes todos os requisitos de uma típica relação de trabalho, mas a empresa opta pela modalidade em que não há vínculo com o empregado.
“É isso que a Justiça do Trabalho avalia no caso concreto e dentro da sua competência constitucional”, argumentou Luciana. “Portanto, não se trata de escolha política (da Justiça do Trabalho), mas, sim, de respeito à legislação infraconstitucional e às disposições constitucionais”, disse a presidente da Anamatra, em nota ao Estadão.
Na avaliação do ministro Gilmar Mendes, no entanto, a forma de atuação dos juízes do trabalho tem promovido “insegurança jurídica e o embate institucional entre um tribunal superior (TST) e o poder político”. O ministro ainda afirmou que os tribunais que tratam de questões trabalhistas têm desrespeitado precedentes do Supremo.
“Os magistrados do Trabalho reconhecem que, a todo custo, busca se desviar da jurisprudência desta Corte. Ora alegam que o precedente não é específico para a situação dos autos, ora tergiversam sobre a necessidade de valoração do acervo probatório. Não causa espanto que tantas reclamações como a destes autos aportem na Corte”, disse Gilmar na Segunda Turma. “Talvez a Corte se convole numa Corte Superior, ou Suprema, da Justiça do Trabalho.”
O advogado Antonio Carlos Freitas, que é mestre em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), concorda com os argumentos trazidos pelo ministro. Ele avalia que a Justiça do Trabalho tende a beneficiar os trabalhadores em detrimento dos empregadores.
“Os trabalhadores, em sentido de categoria, são o elo mais fraco, por isso que o Direito dá garantias e direitos. A grande questão é que o empresário, diante da Justiça do Trabalho, não consegue ter a execução da lei”, disse. “A lei já cria normas para proteger o trabalhador na relação jurídica. Na aplicação da lei, tem que aplicá-la de maneira equânime, igualitária, com paridade de armas.”
Ministro do TST, Ives Gandra Martins Filho afirmou ao Estadão que as reclamações chegam ao Supremo após decisões da Corte trabalhista e também dos tribunais regionais – a segunda instância. Para o magistrado, o TST “é um pouquinho refratário a decisões do Supremo, principalmente em matéria de terceirização”.
‘DISTINÇÃO’. Segundo Martins Filho, há magistrados da área trabalhista que apontam diferenças entre os casos julgados no TST e as teses fixadas pelo STF – uma prática chamada de distinção. Assim, não precisariam seguir decisões da Corte máxima. Ele disse que essa ferramenta deveria ser usada em situações restritas. No entanto, destacou, 80% das decisões da Justiça do Trabalho, em casos de terceirização no setor público e privado, vão de encontro ao decidido pelo Supremo com base na distinção. “Isso gera uma insegurança jurídica muito grande, porque os processos vão (para o Supremo) e voltam. Não terminam nunca.”
O ministro do TST afirmou também que vê magistrados refratários a pontos da reforma trabalhista. “O próprio pleno do tribunal tem colocado uma série de óbices para cancelar súmulas que vão contra a reforma. Essas súmulas, muitas vezes, acabam sendo aplicadas, mesmo já estando superadas pela reforma”, disse.
Fonte: O ESTADO DE S. PAULO