Você sabe com quem está falando?

Carteirada! Eis uma prática nefasta e covarde, infelizmente ainda bastante comum nos condomínios residenciais, algo que precisa ser combatido com rigor e extirpado de nossa sociedade. 

Em geral, a carteirada advém justamente de quem deveria dar o exemplo e o bordão “você sabe com quem está falando”, traduz a mediocridade das pretensas “otoridades” que subjugam e desrespeitam porteiros, faxineiros e zeladores.

Inimaginável, nos dias de hoje, alguém bradar “eu que pago seu salário” ou então “vou fazer você perder seu emprego” ou, quem sabe, “você nunca vai sair dessa portaria, seu porteirinho de merda”, mas, lamentavelmente, é a mais pura e vergonhosa realidade em muitos edifícios, uma covardia sem tamanho, ainda baseada no temor reverencial, resquícios não só da casa-grande e senzala, mas reflexo da arrogância desumana de alguns poucos imbecis que temos de chamar de vizinhos! 

No entanto, como sempre repito, a esmagadora maioria dos moradores é de gente boa, gente educada, pessoas empáticas, que respeitam e valorizam os funcionários. 

Curioso analisar que, invariavelmente, a carteirada acontece quando o “bonitão” não quer cumprir uma norma ou então quando quer levar alguma vantagem em assuntos comezinhos, tais como: tentar entrar na garagem sem o crachá no veículo, ingressar com visitantes sem fazer o cadastro, usar uma área comum fora do horário, parar um veículo na vaga de carga e descarga, não descer para buscar uma entrega, acondicionar o lixo de forma inadequada, andar com seu cãozinho sem coleira, entre outras pequenas contravenções.

É fato também que, por vezes, o ofensor tem razão no mérito de sua reclamação, mas perde a mão e a razão ao reclamar de forma acintosa em vez de acolher, de ensinar, de pegar pela mão. O mais incrível de tudo é que, paradoxalmente, nas assembleias, os que mais reclamam da falta de segurança, da limpeza que não vai bem ou até mesmo da falta de regras e normas mais rígidas são, exatamente, os que dão as carteiradas nos colaboradores, minando o resultado do benefício coletivo, em razão de seu péssimo comportamento individual. 

Aos síndicos e gestores, cabe o papel de agir com rigor e firmeza nos casos de carteirada, valorizando e reafirmando a importância do respeito aos funcionários em seu sagrado ambiente de trabalho, asseverando ainda a responsabilidade pessoal do morador, nos casos de ofensa moral, que podem gerar ações trabalhistas e indenizatórias.

Mexer no bolso do ofensor é sempre uma medida pedagógica de extrema eficácia, pois maltratar um colaborador configura infração de natureza grave. Aos síndicos, recomendo a criação de um canal anônimo e discreto para denúncias sobre temas delicados que ocorram no condomínio, inclusive eventual violência doméstica, maus-tratos a animais e tantas outras atrocidades que acontecem silenciosamente nos apartamentos e que precisamos combater.

Autor: Marcio Rachkorsky, advogado, especialista em condomínios, e comentarista do SP1 na TV Globo e na Rádio CBN.