O milagre da assembleia digital nos condomínios!

Morar em condomínio é uma arte, um exercício diário de paciência, tolerância, espírito de grupo e respeito ao próximo. A missão principal de um condômino é participar e votar nas assembleias, cujas decisões são soberanas e obrigam a todos.

Infelizmente, ao longo das últimas décadas, assembleia de condomínio virou sinônimo de baixaria, confusão, debates improdutivos e, não raramente, tudo termina na delegacia ou no fórum. Incrível é acompanhar uma assembleia que dura quatro, cinco horas, com vizinhos se ofendendo e, minutos depois, subindo juntos no mesmo elevador, de cara virada.

Fato é que uma assembleia de condomínio, geralmente realizada na garagem, tornou-se ambiente hostil e, convenhamos, quase todos estão lá "de saco cheio", cansados, com fome e loucos para tudo terminar logo. Diante de tal cenário, as assembleias foram ficando cada vez mais vazias, algo desesperador para quem faz a gestão e que, muitas vezes, precisa de quórum qualificado para aprovar um tema essencial para o empreendimento.

Atuo em condomínio há mais de trinta e anos e sempre me indignei com a falta de evolução nos métodos para realização de assembleias e, toda vez que busquei inovações, esbarrei nos textos engessados e ultrapassados das convenções de condomínio, bem como nas orientações cautelosas e conservadoras dos colegas advogados, no sentido de que "não há previsão legal para a realização de assembleia em formato digital, pois não consta na convenção". Ora, na maioria dos casos, quando o prédio foi concebido, sequer existia internet.

Eis que, com a pandemia, um sonho antigo virou realidade e se transformou em um grande milagre, chamado assembleia digital ou assembleia virtual! Como num passe de mágica, as assembleias ficaram mais organizadas, pacíficas, respeitosas, produtivas e, por incrível que pareça, muito mais cheias. Ademais, tudo decidido de forma mais célere, em ambiente seguro, com comodidade e sem baixarias. Mas como isso foi possível? Os cartórios registram as atas? O Judiciário não anula as deliberações? Sim, os cartórios registram as atas e o Judiciário, que passou a realizar audiências virtuais, naturalmente valida as assembleias digitais.

Claro que, para ser juridicamente válida, a assembleia virtual precisa atender requisitos mínimos, tais como: um edital muito claro, explicando a forma de participar e votar; lista de presença virtual; sistema de votação auditável, respeito à pauta prevista no edital, possibilidade de debates e discussões, gravação dos trabalhos em ambiente seguro e elaboração de ata, com o sumário das decisões. Claro também que, a depender da natureza, delicadeza ou complexidade do tema a ser deliberado, a boa e velha assembleia presencial é providencial e, portanto, a definição do formato (se virtual ou presencial), ficará a critério do síndico, administradora, jurídico e demais membros do corpo diretivo.

De tanto sucesso que fez ao longo da pandemia, revolucionando a gestão condominial, a assembleia digital virou lei, em um fenômeno social incrível, em que primeiro algo é testado, cai no costume popular, para depois virar lei. Muito melhor do que quando a lei nos é imposta goela abaixo, sem testes, usos e costumes. Trata-se da lei 14.309/22 que permite a realização de assembleias e votações em condomínios de forma eletrônica ou virtual.

De lambuja, a nova lei ainda resolveu um problema gigante enfrentado nas últimas décadas, de forma a permitir a chamada "assembleia permanente" ou "em sessão aberta", com a possibilidade de votação por até 60 (sessenta) dias, para que se atinja o quórum pretendido.

Que delícia se livrar daquele vizinho inconveniente, habituado a chegar atrasado nas reuniões, só para tumultuar e provocar. Aquele que faz uma pergunta sobre um tema já debatido, mas que ele exige rediscutir, sempre sob o argumento "eu pago condomínio, tenho direito sim de falar" ou então "aqui nesse condomínio tá tudo errado, tem gente levando muita grana"... Em casos assim, ao invés de gritos e discussões intermináveis, basta o presidente da assembleia virtual mutar o microfone do falastrão, que acima de tudo responderá por suas palavras, eis que tudo ficará gravado. Não é um sonho, um verdadeiro milagre?

Autor: *Marcio Rachkorsky, advogado, especialista em condomínios, e comentarista do SP1 na TV Globo e na Rádio CBN