STF volta a debater uso de banheiro por pessoas trans

Depois de quase oito anos parado no Supremo Tribunal Federal (STF), o processo que discute o uso de banheiros femininos ou masculinos por transgêneros vai finalmente retornar à pauta da corte. O plenário vai decidir se cabe ou não reparação por danos morais à pessoa trans que é compelida a utilizar o banheiro do gênero oposto ao qual se dirigiu.

O caso começou a ser analisado em novembro de 2015. Na ocasião, o ministro Luiz Fux pediu mais tempo para analisar os autos — e o processo nunca mais voltou ao calendário. No ano passado, contudo, o STF aprovou uma resolução para acabar com pedidos de vista “eternos”, prevendo prazo para a devolução. Com isso, Fux ficou obrigado a fazê-lo até esta segunda-feira. A partir de terça, o recurso fica liberado para julgamento.

O caso concreto diz respeito a uma mulher trans discriminada em um shopping de Florianópolis (SC), em 2008. Nos autos, ela relata ter sido forçada por uma funcionária a se retirar do banheiro feminino, sob a alegação de que sua presença impunha constrangimento. Nenhuma loja permitiu que ela usasse os toaletes privativos — e ela acabou, sem querer, urinando em público.

Ela venceu a causa em primeira instância, que condenou o estabelecimento ao pagamento de uma indenização de R$ 15 mil. O shopping recorreu e a sentença foi revertida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), que entendeu não ter havido dano moral, mas “mero dissabor”. O caso chegou ao Supremo, onde ganhou repercussão geral.

Antes de Fux pedir vista, já haviam votado os ministros Luís Roberto Barroso (relator) e Edson Fachin — ambos para reconhecer o direito de pessoas trans de serem tratadas de forma condizente com a sua identidade de gênero. “O Estado deve adotar postura ativa contra o preconceito e a intolerância, protegendo as escolhas existenciais das pessoas”, disse Barroso. Fachin ainda propôs aumento da indenização para R$ 50 mil, corrigidos em 1% ao mês desde a data dos fatos.

Ao pedir mais tempo para examinar os autos, Fux alegou que o assunto era controverso: “Nos processos de valores morais, precisamos ouvir a sociedade”. Ele pode devolver a vista em plenário virtual ou liberar o processo para julgamento presencial, o que exigirá a marcação de uma data pela presidente da corte, ministra Rosa Weber.

Além de Fux e Rosa, faltam votar os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. A Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a indenização.

Segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Supremo vem se tornando uma trincheira da defesa dos direitos LGBTQIA+ no Brasil. Mais de 20 processos sobre essa temática tramitaram ou ainda tramitam no Supremo ao longo dos últimos anos. Entre eles, o que enquadrou atos de homofobia e transfobia como crimes equiparáveis ao de racismo — um dos julgamentos mais paradigmáticos da história do tribunal.

As decisões da corte têm sido amplamente favoráveis às pessoas trans. Em 2017, por exemplo, o plenário reconheceu que elas têm direito a atualizar seus documentos com o nome e gênero com que se identificam, mesmo que não tenham feito cirurgia de redesignação sexual. O caso foi emblemático não só pelo resultado, unânime, mas também porter sido a primeira vez que uma advogada trans subiu à tribuna do Supremo.

Fonte: Valor Econômico