Justiça do Trabalho condena empresas com base na LGPD

A Justiça do Trabalho tem condenado empresas a indenizar funcionários – e até revertido demissões por justa causa – por tratamento inadequado dos dados pessoais e violação à privacidade dos empregados. Os juízes vêm fundamentando as decisões com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A partir da norma (Lei nº 13.709, de 2018), as empresas passaram a ter o dever máximo de proteger os dados pessoais de clientes, fornecedores – e também dos trabalhadores. Há situações, como mostrou o Valor, em que a Justiça confirma a validade de demissões de funcionários que usam de forma indevida dados pessoais de clientes, violando a política de privacidade da companhia. Mas a situação inversa também tem ocorrido.

Em julgamento recente, por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (4ª Região) anulou uma demissão por justa causa e ainda condenou uma construtora a pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais a um empregado que teve conversas trocadas pelo WhatsApp vistoriadas pelo empregador.

Ele fazia parte de um grupo de colegas de trabalho em que eram trocadas mensagens de cunho particular. A demissão ocorreu, segundo a empresa, porque nessas conversas o funcionário teria feito apologia a drogas e orientado colegas a apresentarem atestados médicos falsos ao empregador, o que o juiz de primeiro grau entendeu não ter ocorrido.

Os desembargadores, ao analisarem o caso, mantiveram a sentença no sentido de que houve violação à LGPD. Isso porque o empregado usava o aparelho particular para trocar as mensagens – e fora do horário de expediente. A empresa, segundo o processo, tomou conhecimento do conteúdo pelo celular corporativo usado por outro integrante do grupo.

“Para que as informações e dados pessoais obtidos de contas privadas possam ser mineradas e tratadas pelo empregador, é necessária autorização do titular, finalidade específica e chancelável”, afirmou, na sentença, o juiz que analisou o caso em primeiro grau, Mauricio Schmidt Bastos, da 3ª Vara do Trabalho de São Leopoldo. O trecho foi reproduzido no acórdão do TRT (processo nº 0020830-24.2020.5.04.0333).

De acordo com Marcos Poliszezuk, a LGPD pode acabar repercutindo na aceitação pela Justiça do uso de conversas e áudios trocados por aplicativos como prova em processos trabalhistas. “O Judiciário terá que encontrar um equilíbrio. Não pode aceitar como meio de prova do empregado contra o empregador, mas não admitir para o empregador contra o empregado”, afirma.

Também com fundamento na LGPD, uma varejista acabou condenada a indenizar uma funcionária. Ela teve o número do telefone pessoal divulgado no site de vendas da empresa.

A decisão foi proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (3ª Região). A empregada relatou, no processo, que chegou a receber ligações de clientes às 4 horas da madrugada (processo nº 0010337-16.2020.5.03.0074).

“Em que pese não ser possível identificar a autora apenas pelo número informado, seria possível identificá-la assim que o cliente entrasse em contato com ela, invadindo sua privacidade, configurando divulgação de dado pessoal, nos termos do art. 5º da Lei 13.709/2018 (LGPD)”, afirma, na decisão, o relator, desembargador Ricardo Marcelo Silva.

Um motorista de aplicativo obteve indenização de R$ 5 mil por ter sido desligado da plataforma com base em decisão automatizada da empresa, sem poder se defender previamente (processo nº 0000527-58.2021.5.07.0013).

Para o juiz Vladimir Paes de Castro, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza, a companhia violou o artigo 20 da LGPD. O dispositivo prevê que “o titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses”. O parágrafo primeiro, por sua vez, estabelece que o “controlador deverá fornecer, sempre que solicitadas, informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada, observados os segredos comercial e industrial”.

Na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, a Justiça condenou uma empresa do setor sucroenergético a indenizar um funcionário que constava em uma lista de pessoas que seriam demitidas. A relação “vazou” em um grupo de WhatsApp do qual faziam parte vários trabalhadores.

Além do nome, constavam também informações sobre a quantidade de horas extras trabalhadas por cada funcionário, que foram armazenadas em bancos de horas e deveriam ser usufruídas antes do encerramento do contrato.

No caso, o juiz entendeu que houve violação à LGPD, uma vez que os dados interessam apenas ao trabalhador e ao empregado. “Logo, sua exposição de maneira indiscriminada viola a privacidade do empregado, acarretando em comparações e até mesmo discriminações, causando ao trabalhador dano moral, que encontra disposição expressa no artigo 42 da LGPD”, afirmou, na sentença, o juiz Rodrigo Penha Machado, do posto avançado da Justiça do Trabalho de Orlândia em Morro Agudo (processo nº 0010145-28.2020.5.15.0146).

O dispositivo citado pelo juiz estabelece que “o controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo”.

Para o advogado Paulo Peressin, as decisões indicam que a Justiça do Trabalho tem usado elementos técnicos da LGPD como fundamento para responsabilizar os empregadores.

“Mesmo antes da vigência da lei os julgados se posicionavam no sentido do dever de preservação das informações pessoais do empregado. Mas, agora, há essa análise das hipóteses de tratamento de dados nas decisões trabalhistas”, diz.

Paulo Lilla, sócio da área de tecnologia, proteção de dados e propriedade intelectual do Lefosse, aponta que as decisões na área trabalhista surgem em um contexto em que alguns pontos da LGPD ainda precisam ser regulamentados pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), autarquia responsável pela fiscalização da lei.

“Há um risco de conflito de interpretações. O ideal seria que a interpretação da ANPD entrassem nos tribunais de forma mais sistematizada”, diz.

De acordo com Rosana Pilon Muknicka, as empresas fazem consultas diárias sobre o correto tratamento de dados de empregados. Por quanto tempo devem reter as informações após o encerramento do contrato e quais dados podem ser exigidos no processo de contratação são algumas das dúvidas levantadas.

“Antes a empresa poderia pedir e usar a informação que quisesse. Agora, não é bem assim. Existe um limite”, diz.

Por Bárbara Pombo 

Fonte: Valor Econômico