Justiça reduz jornada de trabalhadora com filho deficiente

A Justiça do Trabalho acatou o pedido de uma mãe e determinou a redução da carga horária semanal para que ela possa se dedicar ao tratamento do filho com paralisia cerebral. A decisão foi fundamentada em um novo protocolo de julgamento baseado em perspectiva de gênero, lançado em outubro pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O despacho é do dia 5 de dezembro e partiu da juíza Andrea Cristina de Souza Haus Waldrigues, que atua na 3ª Vara do Trabalho de Lages, em Santa Catarina. Outras decisões recentes, até mesmo do Tribunal Superior do Trabalho (TST), têm gerado precedentes nesse sentido, de que é possível haver flexibilização de jornadas de trabalho, sem redução proporcional do salário.

O pedido apresentado à Justiça era para que houvesse a redução da jornada de trabalho de 40 horas para 30 horas, para que a mulher pudesse acompanhar o tratamento do filho de 9 anos, que usa cadeiras de rodas e necessita de cuidados especiais.

A defesa ponderou que se trata de uma mulher divorciada, que mora sozinha, recebe um salário mínimo e não tem condições de contratar alguém para ajudar nos cuidados com o filho.

O empregador argumentou que a funcionária atua em uma atividade essencial no posto de saúde do município de São José de Cerrito, na serra catarinense. Segundo a prefeitura, a unidade não poderia ficar sem servidor no período da tarde e não haverá como contratar outra pessoa na pandemia devido à proibição de aumento de despesa com pessoal.

A magistrada, no entanto, determinou a redução da carga horária para 30 horas semanais, preferencialmente na jornada das 7h às 13h, “a fim de que possa prestar a adequada assistência ao filho deficiente, sem prejuízo de sua remuneração, enquanto necessitar de tratamento especial”.

Sem eu despacho, a juíza citou o novo protocolo do CNJ. “Sendo omissa a legislação trabalhista acerca da possibilidade de redução de jornada para assistência ao filho portador de deficiência, o artigo 8º da CLT autoriza o julgamento com base em princípios e normas gerais de direito, analogia e jurisprudência”, escreveu.

Segundo ela, as novas diretrizes apontam para “a necessidade de olhar e interpretar as normas trabalhistas pelas lentas da perspectiva de gênero, como forma de equilibrar as assimetrias existentes em regras supostamente neutras e universais, mas que, na sua essência, atingem de forma diferente as pessoas às quais se destinam”.

E acrescentou: “Mais do que atual, necessária a análise do presente processo sob a perspectiva de gênero, eis que se trata de mulher, empregada, mãe, e cujo filho demanda cuidados constantes devido a sério problema de saúde”.

Responsável por coordenar o grupo de trabalho que elaborou o protocolo do CNJ, a ex-conselheira Ivana Farina Navarrete Pena comemorou a decisão da magistrada. Para ela, o grande desafio agora é difundir a possibilidade de a Justiça adotar medidas pautadas pela perspectiva de gênero e fazer com que os juízes sigam o passo a passo do guia produzido pelo órgão.

Em dois meses, no entanto, Ivana diz já ver resultados, especialmente em processos envolvendo violência contra a mulher e na Justiça Previdenciária. “Mais do que editado, esse protocolo tem que ser colocado em prática, para garantir a justiça social”, afirmou a coordenadora.

O grupo de trabalho foi instituído em fevereiro do ano passado, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, que também comanda o CNJ.

A iniciativa é uma continuidade de medidas que vêm sendo adotadas pelo órgão, pelo menos desde 2018, para promover o enfrentamento à violência contra as mulheres e o incentivo à participação feminina no Poder Judiciário.

“Este instrumento traz considerações teóricas sobre a questão da igualdade e também um guia para que os julgamentos que ocorrem nos diversos âmbitos da Justiça possam ser aqueles que realizem o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferença”, disse o CNJ por meio do documento.

O advogado Emiliano Branco, que atuou na defesa da mulher, criticou a postura da prefeitura. Afirmou que foi necessário entrar com um mandado de segurança para que o Poder Judiciário garantisse os seus direitos. “Precisamos estar mais atentos e sensíveis às discussões de gênero no âmbito trabalhista”, defendeu.

Para ele, a decisão demonstra a “necessária revisão dos normativos trabalhistas no sentido de dar tratamento diferente às mulheres, as quais não raras vezes têm pela frente dois ou três turnos de trabalho”.

Procurada, a Prefeitura de São José de Cerrito não se manifestou até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico