De arremesso de copo a tapas: brigas de vizinhos vão parar na Justiça do ES

O vizinho que faz um barulhão depois das 22h, o "toc, toc" do salto no piso do andar de cima, o chato que não dá "bom dia" para ninguém, aquele que, "acidentalmente", invade a vaga do seu carro na garagem. Morar em condomínio não é fácil: dependendo de quem serão seus vizinhos, aquele apartamento dos sonhos pode tornar-se um pesadelo.

A proximidade forçada nos condomínios resulta em conflitos frequentes entre moradores, o que tem transformado a convivência condominial em um verdadeiro desafio para síndicos, advogados e administradores.

No Espírito Santo, mais de 10 mil casos de disputas em condomínios acabaram em ações judiciais, segundo dados do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Desde disputas por vagas de garagem até discussões sobre o uso de áreas comuns e o barulho, as brigas em condomínios se tornam uma fonte de insatisfação e, muitas vezes, de desgaste emocional.

Para entender melhor esse cenário, especialistas em direito condominial e gestão de condomínios discutem as principais causas de conflitos e oferecem orientações sobre como evitar e resolver tais impasses.

O síndico profissional Marcos Paulo Ladeira Pinheiro compartilhou alguns dos desafios que enfrenta diariamente na administração de um condomínio na Grande Vitória. Um dos episódios relatados inclui um incidente em que um copo de água foi arremessado do 11º andar, passando perigosamente próximo a outras pessoas, e que, por sorte, não atingiu ninguém.

Ele acrescenta que, em alguns casos, a situação já   fugiu do controle e foi necessário acionar até a polícia.

“Infelizmente até com certa frequência. O síndico deve seguir o regimento interno e a convenção, mas quando ocorrem agressões, ameaças, violência doméstica (como casos relacionados à Lei Maria da Penha), ou mesmo barulho excessivo em festas, precisamos acionar a polícia para obter o suporte necessário.”
— Marcos Paulo Ladeira Pinheiro —

O síndico relata que situações de agressão são mais comuns do que se imagina, envolvendo até mesmo os porteiros do condomínio, seguranças, a própria equipe de administração e até conflitos diretos entre condôminos.

Pinheiro observa que, em muitos casos, a raiz do problema está na falta de paciência e na dificuldade de sentar para dialogar de forma civilizada. Segundo ele, uma conversa franca e esclarecedora poderia evitar boa parte desses desentendimentos, tornando o ambiente do condomínio mais harmonioso.


Conflitos mais comuns: vagas de garagem, cigarro, infiltrações, fezes e até barulho de sexo

Quando a conversa não ajuda e os aborrecimentos viram dor de cabeça, as ocorrências acabam extrapolando os limites das residências e das assembleias de condomínios e vão parar na Justiça. E há vários exemplos de conflitos inusitados entre vizinhos na Grande Vitória. Em um dos casos noticiados, um homem foi condenado a indenizar uma vizinha em R$ 3 mil após jogar nela um balde com água e fezes de cachorro, irritado pelo fato de a vizinha ter esguichado água em seu cão, que fazia suas necessidades em sua calçada.

Situações como essas são frequentes: de gatos que invadem propriedades e arranham móveis a cães que latem incessantemente, além de adolescentes que abusam do volume de aparelhos de som. Há brigas que viram casos de polícia. Em Salvador, uma disputa gerada por uma bola de futebol terminou em um tiroteio entre vizinhos em um condomínio, após um dos pais se enfurecer com a queixa feita por um morador.

Até mesmo o barulho durante relações sexuais é motivo de queixa, como relatado pelos moradores de um condomínio em Colina de Laranjeiras, na Serra, incomodados pelos ruídos frequentes de um casal vizinho. Esses episódios mostram que a convivência em espaços compartilhados pode, em muitos casos, levar a extremos que beiram o absurdo.

Segundo o advogado especializado em direito condominial Gerson Queiroz Alves, os conflitos mais recorrentes em condomínios giram em torno do uso inadequado de vagas de garagem, fumo em áreas restritas e malcuidado com animais de estimação.

“Invasão de vaga ou parar na vaga do vizinho é algo comum, infelizmente”, explica Alves, destacando que muitos moradores estacionam veículos de forma que dificultam a manobra de outros condôminos, gerando irritação.

Outro ponto crítico são os fumantes. “O uso de cigarros, charutos e similares dentro da unidade, quando incomoda o vizinho, é muito recorrente”, afirma o advogado. Ele lembra que o Código Civil assegura o direito à saúde, sossego e segurança da coletividade, incluindo o direito de vizinhança, que obriga o morador a cessar atitudes que prejudiquem o bem-estar de seus vizinhos.

Além disso, a questão de animais malcuidados também é uma fonte constante de queixas. O advogado explica que alguns moradores acabam negligenciando a higiene de seus pets, o que pode incomodar outros residentes.

“O cheiro forte pode ser ignorado pelo dono, mas incomoda o vizinho, e isso gera desentendimentos”, observa.

Infiltrações, especialmente provenientes de banheiros, também figuram como causas frequentes de desavenças. "Muitos moradores não fazem a manutenção necessária, e, com o tempo, o problema acaba atingindo a unidade de baixo, causando goteiras e danos", comenta.

Quando recorrer à Justiça e quais os direitos e deveres dos moradores

Em caso de conflitos graves, Alves ressalta que os moradores têm o direito de recorrer à Justiça. “Se está prejudicando sua saúde, sossego ou segurança, o morador pode buscar a via judicial”, afirma.

No entanto, ele recomenda que, antes de tomar essa atitude, o morador consulte o regimento interno e a convenção do condomínio. Esses documentos estabelecem as normas de convivência e orientam sobre o que cada um pode ou não fazer, além de prever horários e limites para atividades que possam perturbar os outros.

Gedaias Freire da Costa, presidente do Sindicato Patronal de Condomínios (Sipces), reforça a importância desses regulamentos internos e da convenção condominial.

“A convenção é um documento que baliza o comportamento esperado dos moradores e estipula as penalidades para quem não cumpre as regras. Ele é essencial para a boa convivência”, declara Gedaias, destacando que, em casos mais graves, como reincidência de infrações, o condômino pode ser considerado antissocial e multado em valores que variam conforme a gravidade do ato.

O papel do síndico como mediador

A postura do síndico na mediação de conflitos também é fundamental para a harmonia no ambiente condominial. Segundo Marcos Pinheiro, o síndico deve atuar como mediador, buscando soluções que beneficiem a coletividade e não apenas um único morador.

“Nós, síndicos, temos que agir com imparcialidade e garantir que as normas sejam respeitadas por todos. Em conflitos pontuais entre vizinhos, a administração funciona como mediadora, mas, quando o problema afeta o coletivo, podemos intervir diretamente em defesa dos direitos dos condôminos”, explica Marcos.
No entanto, o advogado lembra que o síndico não é um policial e não tem o poder de resolver todos os problemas.

“Se o morador se sentir ameaçado ou em perigo, ele deve acionar a polícia. Síndico não é delegado e não deve intervir em situações que colocam sua segurança em risco”, adverte.

Ele recomenda que, nesses casos, o morador faça um boletim de ocorrência e leve o documento ao síndico para formalizar a situação e, eventualmente, registrar no livro de ocorrências do condomínio.

Penalidades e multas

As penalidades para moradores que descumprem as normas variam conforme o regimento interno do condomínio. Em casos leves, como o uso de cigarro que incomoda, é possível aplicar notificações antes de uma penalidade mais rígida.

Já para situações que causam impacto direto, como invasão de vagas de garagem, Alves defende a aplicação de multa direta.

“Quando o ato prejudica o outro de forma imediata, como alguém estacionando na vaga alheia, é difícil aplicar apenas uma notificação. A multa direta é mais justa”, argumenta o advogado.

Pinheiro, por sua vez, ressalta que o síndico também pode convocar uma assembleia para decidir sobre multas mais pesadas, principalmente em casos de condôminos antissociais.

"Em última instância, quando o comportamento de um condômino gera incômodos constantes e infringe repetidamente o regimento, é possível aplicar multas que chegam a até cinco vezes o valor da cota condominial, ou mesmo buscar medidas judiciais para limitar o acesso desse condômino às áreas comuns do condomínio”, acrescenta o síndico profissional.

Medidas preventivas para evitar conflitos

Os especialistas concordam que uma boa convivência no ambiente condominial exige a colaboração de todos os envolvidos, seja respeitando as normas internas, seja buscando resolver os conflitos de forma amigável. Gedaias Costa reforça que a prevenção é o melhor caminho.

“Condomínios que incentivam a comunicação e promovem ações para conscientizar sobre as regras internas geralmente têm menos problemas”, destaca o presidente do Sipces.

Pinheiro sugere que os síndicos promovam assembleias informativas e ações de integração para fortalecer o senso de comunidade entre os moradores.

“Quando as pessoas se conhecem e entendem a importância de respeitar o espaço e os direitos do outro, os conflitos tendem a diminuir”, finaliza o síndico.

Fonte: Folha Vitória