Mais que a alteração da escala de trabalho, é a redução da jornada semanal que preocupa especialistas consultados peloValor a respeito da proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca o fim da escala 6x1. Na avaliação deles, a baixa produtividade da mão de obra no Brasil faz com que uma redução de 44 horas para 36 horas se torne um desafio considerável para as empresas, em especial as mais intensivas em mão de obra e que mais empregam no país.
Dados colhidos na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2022 pelo professor da Faculdade de Economia e Administração e Ciências Contábeis e Atuárias da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Hélio Zylberstajn, mostram que 64,3%dos vínculos formais de trabalho se encaixam na jornada de 41 a 44 horas semanais, a faixa em que mais se encaixa a escala 6x1. Outros 23% dos vínculos estão na faixa de 31 a 40 horas por semana — para onde aponta a proposta da deputada do Psol.
Outra forma de olhar a situação atual é a jornada média do trabalhador brasileiro com carteira assinada. Segundo dados compilados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a jornada média no Brasil é de 37,9 horas semanais - 39,8 horas para homens e 35,4 horas para mulheres. “Já é, portanto, uma jornada menor que o máximo previsto na Constituição. E isso é fruto da negociação coletiva”, diz Zylberstajn.
“Existe uma crença de que, se a jornada de trabalho é reduzida, automaticamente aumenta a demanda por emprego - como se reduzir de 44 horas semanais para 40 horas fizesse aparecer automaticamente uma procura por trabalhadores para preencher as horas restantes. Ocorre que esse ajuste não é automático, nem feito dessa forma”, explica. “Em mercados de produtos muito concentrados, em que predominam grandes players, uma redução na jornada até pode ser mais facilmente acomodada porque essas empresas têm uma taxa de lucro maior. Mas, em mercados de bens e serviços mais competitivos, em que empresas operam no limite da rentabilidade, é muito mais difícil realizar esse ajuste”, diz.
Ocorre que esta é a realidade dos setores que mais empregam no Brasil, como comércio e serviços, continua Zylberstajn, lembrando que estes também são setores onde a escolaridade é menor e, consequentemente, a produtividade também. Este é outro problema de se tentar impor por lei uma alteração do tipo. Na visão do professor, uma regra geral passaria por cima das diferentes realidades de cada setor
Empresas menores tipicamente são também as de menor produtividade — e, portanto, têm menor margem de manobra para acomodar choques do tipo.
E o cruzamento da Rais mostra que, quanto menor o tamanho do estabelecimento, maior a proporção de trabalhadores com esse tipo de vínculo de 41 a 44 horas: entre os que têm até 4 empregados na folha, essa proporção chega a 83,5%. Já entre as empresas com 1 mil ou mais empregados, ela cai a 33,2%.
Inversamente, a proporção de vínculos de 31 a 40 horas cresce conforme o tamanho do estabelecimento. Entre firmas com 1 a 4 funcionários, eles são 7,4% dos vínculos. Já nas empresas com mil ou mais, eles são 45,1%.
“Passar uma mudança dessa por lei pode, na verdade, reduzir a demanda por trabalho da economia formal, porque é um impacto estratosférico. Reduzir a jornada de 44 horas para 36 sem redução de salário significa aumentar a folha em18%”, critica o sociólogo e especialista em relações de trabalho José Pastore. “É uma proposta de caráter estritamente político. Todo político populista tem um lema na vida: trazer jornada para zero e salário ao infinito.”
Pastore também vê a negociação entre sindicatos e empresas ou setores como a melhor forma de avançar nessa questão sem ferir a economia. A prova disso, diz, é o próprio fato de que a jornada praticada — aquela fruto de negociação entre trabalhadores e empresas — é menor que a jornada legal máxima permitida no Brasil e também no exterior.
“Permitir que essa questão seja resolvida por negociação pode até elevar a demanda por trabalho porque cada setor sabe qual a sua produtividade. Um exemplo que temos é o setor bancário, sobreviveu a todas as crises que o país passou, tem alta produtividade, uma mão de obra super qualificada e adota jornada de 30 horas. Não se pode aplicar por lei o mesmo padrão vigente nesse setor à construção civil ou ao comércio em geral.”
Pastore ressalta que mesmo na França, país que reduziu a jornada legal para 35 horas em 2000, mudanças foram implementadas desde então para permitir que trabalhadores e patrões negociem cada vez mais horas adicionais.Atualmente, a jornada pode ser estendida para até 10 horas diárias, desde que não ultrapasse 48 horas na semana.
Pesquisador sênior da área de economia aplicada do FGV Ibre , Fernando de Holanda Barbosa Filho observa que a mudança de escala não deixa o trabalhador menos produtivo, mas faz com que sua produtividade agregada caia.
“Portanto, o impacto da PEC como está proposta no momento deve ser grande na produtividade. Vejo como uma iniciativa arriscada”, diz.
Ele também é crítico da ideia de impor a mudança por via legal. “É problemático porque os setores têm dinâmicas diferentes. É possível que os próprios trabalhadores se levantem contra a PEC, assim como aconteceu quando o governo se propôs a exigir redução da jornada dos motoristas por aplicativo”, recorda. “A limitação da carga horária pode acarretar em perda de renda para alguns trabalhadores. No comércio, por exemplo, os vendedores ganham comissões. E, se trabalharem menos, venderão menos.”
Existem, no entanto, outras formas de abordar o tema, continua Barbosa. “Uma opção de redução de jornada que não machuca em termos de produtividade é do tipo compensatória. Na Noruega, por exemplo, reduziram a escala para 4x3 no verão, mas compensando com mais horas trabalhadas depois no inverno”, exemplifica.
Conforme acrescenta o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, há alguns estudos para países desenvolvidos que mostram que redução ou extinção da escala de 6x1 aumenta o crescimento da região. Contudo, “o problema é que não existe um contra factual para países em desenvolvimento, como o nosso caso. A gente acaba esbarrando na qualificação média do trabalhador brasileiro", observa, adicionando que quase metade da população ocupada se encontra na informalidade.
Ele avalia, portanto, que é difícil cravar qual seria o resultado final de uma mudança do tipo. “Acho válida a ideia de discutir o aumento do bem estar do trabalhador, mas o tema poderia ser abordado de outras maneiras, como a implementação de trabalho híbrido, melhorias na mobilidade urbana e até mesmo uma reforma administrativa [diminuindo privilégios de alguns grupos]. Ajudaria no crescimento e na produtividade brasileira mais do que essa proposta”.
Fonte: Valor