Compliance é o motor do ESG trabalhista

Comece pelo básico. Você cumpre a lei? Parte me responderia “sim”. Mas cumpre mesmo? Aqui a resposta seria “mas é impossível” ou “a Justiça do Trabalho vai condenar a empresa de qualquer jeito”. Com esse pensamento, nem o compliance nem o tão falado ESG vão para frente.

Compliance é cumprir com as normas em vigor, mas, além disso, é adequar a conduta ao que a empresa acredita e, ao mesmo tempo, evitar ativamente condutas desleais. O compliance trabalhista não é diferente, trata-se do caminho no cumprimento de todos os regramentos relacionados aos colaboradores.

Já o ESG — sigla para Environmental, Social and Governance (meio ambiente, social e governança) — é oriundo do movimento que culminou no relatório “Who Cares Wins” da Organização das Nações Unidas. Esse relatório trouxe dez princípios atrelados a direitos humanos, do trabalho, meio ambiente e anticorrupção e juntamente com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) trazem os pilares de um novo paradigma corporativo.

Falar da ONU, princípios e ODS parece muito distantes, mas já há efeitos práticos. A própria Comissão de Valores Mobiliários traz em sua Resolução nº 59/2021 a possibilidadede nos relatórios as empresas indicarem se consideram algum dos ODS no negócio.

E onde compliance e ESG se alinham? O compliance é o primeiro passo do ESG, em especial na esfera trabalhista. Podem se misturar dependendo da maturidade da empresa e ocorrerem concomitantemente, claro. Mas não faz sentido deixar de cumprir com as regras trabalhistas básicas e investir tempo e dinheiro na promoção de pautas diversas em ESG.

O compliance trabalhista já em linha como ESG está presente em diversos temas, como o cumprimento das licenças maternidade e paternidade, mas quando a empresa aplica para o Programa da Empresa Cidadã e está disposta a estender esses prazos.Outro exemplo é estar atento ao uso do nome social nos formulários e comunicações internas.

Veja, não se trata de diminuir a importância de qualquer pauta ESG.A questão é ressaltar que o não cumprimento dos direitos sociais básicos, além de uma afronta à dignidade dos trabalhadores, atrai riscos trabalhistas objetivos, como fiscalizações e ações. Portanto, comece pelo básico.

Claro que há matérias em ESG com respaldo na legislação e de cumprimento imediato. E o ponto é exatamente esse. Defender o propósito de ESG, sem esquecer que há uma série de obrigações objetivas que precisam de atenção.

Notem que não há necessariamente uma ordem, porém, uma questão lógica e de maturidade da própria empresa com determinados temas. A ausência de uma pauta ESG definida sobre um determinado tema não significa afrontá-lo, discriminar ou violar determinados direitos.

De qualquer forma, começar pelo básico já não é tão simples assim. Em especial, quando colocamos gestão de pessoas e cumprimento da lei (e não são poucas) na mesma equação. É preciso contar com um departamento de recursos humanos estruturado, além de uma gestão atenta e um setor jurídico parceiro.

Vamos ao checklist. A empresa está em compliance ou no caminho? Na prática, isso significa: identificar aobrigações e os riscos. O que é preciso fazer? Há prazos e orçamento suficientes? Ainda que não se resolva ao mesmo tempo essas questões, o caminho foi traçado e pode-se partir para um projeto ESG. Ótima resolução.

Falar do ESG, das novas práticas de mercado, da importância do meio ambiente, da igualdade e diversidade se tornou comum diante da mudança das necessidades geracionais. Porém, o mais difícil — e o que trará resultados práticos — é desmistificar e concretizar essa mudança de paradigma corporativo.

Especificamente na área trabalhista, normalmente todos se apegam ao “S” de social. No entanto,a relação de trabalho envolve os três pilares do ESG, sobretudo quando em uma análise para fins de compliance.

Em meio ambiente (o “E”), há também o meio ambiente de trabalho, segurança dos trabalhadores, as políticas que a empresa tem para com os empregados e parceiros em termos de sustentabilidade (uso da água, emissão de carbono, entre outros). Já na governança (o “G”), observa-se o controle e o engajamento da empresa como um todo, para que o projeto seja cumprido e dê frutos. Criar mecanismos de controle interno, além de prezar pela transparência com terceiros, incluindo os próprios empregados, é crucial.

No que se refere ao “S” propriamente dito, talvez o início do caminho seja a escolha de pautas que tenham a ver com a empresa. Vamos ser realistas, nenhum empresário vai conseguir dar vazão a todas as pautas e pilares do ESGao mesmo tempo. Então é preciso focar no tema mais adequado às diretrizes da empresa. Esse tema deve ser pertinente ao negócio e DNAda companhia, seja pela avaliação do seu público-alvo, empregados, clientes ou operação. Pautas sociais com conexão com a empresa têm muito mais chances de serem engajadas e cumpridas internamente.

Abarcar todos os pilares no projeto permite criar metas e cronogramas reais, já que todos têm alguma relevância no atingimento do ESG. Outra vantagem dessa visão mais holística é engajar a empresa, em especial o C-level. Sem o comprometimento da alta direção, não tenha ilusões, nada vai evoluir sustentavelmente.

Claro que o ESGe o compliance envolvem diversas áreas e profissionais, exigindo uma mudança estrutural da empresa. O objetivo é exatamente esse e o projeto vai permanecer em constante evolução.

Fernanda MunizBorges é sócia da Área Trabalhista do FASAdvogados

Publicação: Valor Econômico