Condomínios vencem disputa contra bancos

Tribunais de Justiça como os de São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul têm permitido a penhora e leilão de imóveis financiados, por meio de contratos de alienação fiduciária, para o pagamento de taxas de condomínio. As decisões são contrárias ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que privilegia os bancos.

A alienação fiduciária é a modalidade de garantia mais utilizada em financiamentos imobiliários. O contrato é garantido pelo próprio bem que está sendo financiado e se o cliente não quitar o que deve o banco pode tomá-lo.

Para os desembargadores, porém, por uma questão social, deve haver prioridade para os condomínios, já que a inadimplência prejudica outros moradores. Além disso, de acordo com eles, esse tipo de dívida tem natureza “propter rem” - ou seja, está atrelada ao imóvel, independentemente de quem seja o dono.

Em São Paulo, há diversas decisões. Em março, os desembargadores da 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP, por unanimidade, negaram provimento a um recurso da Caixa Econômica Federal (CEF) que pedia o cancelamento da penhora de um apartamento localizado no Condomínio Edifício Montreal, no Centro de São Paulo.

O banco alegou que não integrou o processo que discutia a penhora do apartamento por dívida de condomínio. E que a decisão de primeira instância ignora o fato de que, na condição de credor fiduciário, tem preferência sobre os valores decorrentes da venda do imóvel. Ainda acrescentou que o fiduciante é responsável por todas as dívidas do bem alienado, que somente recairão sobre o credor fiduciário após a consolidação do imóvel, em caso de inadimplência.

Em seu voto, porém, o relator, desembargador Sá Duarte, afirma que a penhora apenas dos direitos do devedor, como pretende o banco, “representaria verdadeira negação da satisfação do crédito”. “Improvável que alguém se disponha a arrematar tais direitos, ao levar em conta o saldo devedor pendente da dívida garantida pela alienação fiduciária”, diz.

Para o magistrado, não seria razoável obrigar o condomínio a aguardar indefinidamente que se resolva o negócio fiduciário com o devedor, “certo que mês a mês as despesas se acumulam, com os demais condôminos tendo de suprir a falta da contribuição da unidade no rateio”.

Além disso, o desembargador destaca que o crédito relativo a despesas condominiais tem preferência sobre o crédito fiduciário, diante da sua natureza “propter rem” (processo nº 2011873-60.2023.8.26.0000).

Em outra decisão, também de março, a 27ª Câmara do TJSP negou, por unanimidade, pedido do Bradesco para cancelar a penhora de um apartamento na capital paulista com contrato de alienação fiduciária.

O Bradesco alegou que é o real proprietário do imóvel e que apenas deixaria de ser com o pagamento integral da dívida. E acrescentou que os valores obtidos com eventual venda teriam que ser direcionados primeiramente para o pagamento do financiamento imobiliário.

Em seu voto, o relator, desembargador Luís Roberto Reuter Torro, também ressalta a natureza “propter rem” do crédito condominial. Ainda cita a Súmula nº 478 do STJ. O texto afirma que “na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferência sobre o hipotecário” (processo nº2222298-02.2022.8.26.0000).

Nesse mesmo sentido, existem decisões do Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul (respectivamente, processos nº 180828-54.2018.8.21.7000, nº 0064471-79.2021.8.09.0000 e nº 1401272-39.2020.8.12.0000).

De acordo com a advogada especialista em Direito Imobiliário, Kelly Durazzo, sócia do Durazzo & Medeiros Advogados, embora exista entendimento do STJ a favor do credor fiduciário, tem aumentado o número de decisões do TJSP favoráveis aos condomínios.

A advogada ressalta, porém, que a Lei nº 9.514, de 1997, que institui a alienação fiduciária, é clara. Estabelece que a propriedade do imóvel, em contrato de alienação fiduciária, é do banco, até a quitação total da dívida. Para ela, essas decisões podem prejudicar o setor imobiliário, já que os bancos vão naturalmente tornar o crédito mais restritivo ou mais caro para compensar o risco.

Luis Rodrigo Almeida, sócio do Dib, Almeida, Laguna e Manssur Sociedade de Advogados, acredita, no entanto, que esse risco já está embutido no negócio. “O entendimento do TJSP é correto. Até porque essas decisões vem protegendo uma coletividade, uma vez que os outros condôminos estão custeando a unidade inadimplente”, diz.

Eduardo Jardim, da mesma banca, reforça que os bancos sabem do risco desses contratos de alienação fiduciária e normalmente o bem garantidor tem um valor muito maior que o da dívida. Há um limite, afirma, de até 80% do valor.

No STJ, porém, há julgamentos de turmas — 2ª, 3ª e 4ª — pela impossibilidade de penhora de imóvel para quitação de dívida de condomínio. Em recente decisão, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, diz que “a impossibilidade de penhora do bem alienado fiduciariamente se justifica tendo em vista que o bem penhorado não pertence ao devedor fiduciante”. Em seu voto, elenca diversos precedentes da Corte. (REsp1992074).

A advogada Caroline de Andrade, que auxilia arrematantes de imóveis em leilão, afirma que nem sempre há recursos dos bancos para o STJ para reverter essas decisões que tratam de penhora e leilão porque eles se limitam, muitas vezes, a discutir a preferência no recebimento do crédito.

Por isso, acrescenta, ainda que o STJ tenha posicionamento contrário, imóveis têm ido a leilão. Essas vendas, contudo, diz a advogada, só são vantajosas se o arrematante puder adquirir a propriedade plena do imóvel e não assumir a dívida do contrato de alienação fiduciária.

Por nota, a Febraban informa que “a introdução da garantia de alienação fiduciária de imóveis no Brasil possibilitou um crescimento robusto do crédito imobiliário. Para a entidade, “toda inovação, como a preferência de o condomínio receber os recursos decorrentes da penhora do imóvel dado em garantia em detrimento do credor fiduciário, gera incerteza e tem o potencial de afetar todo o mercado imobiliário”.

Procurados pelo Valor, Bradesco e CEF informaram que não comentariam a questão.

Fonte: Valor Econômico