Uma marca é uma igreja

Eu sempre digo e repito que uma marca é uma igreja. Ela precisa ter claros os seus dez mandamentos. Por exemplo: amai o teu próximo (slogan), honrarás pai e mãe (legado), não roubarás (compliance). A cultura da empresa, que são suas crenças, deve estar clara de tal forma que os colaboradores possam dizer: tenho fé.

Jesus criou uma startup com 12 seguidores. Era o rei da narrativa e do “storytelling”. Falava para o seu público em parábolas e com conexão absoluta com a vida deles. Tinha também seu manifesto, o Sermão da Montanha, como é habitual nas marcas modernas.

Na Apple, Steve Jobs tinha o genial slogan “Think different”. Na Nike, Phil Knight tinha o “Just do it”. Jesus tem o slogan mais conhecido de todos: “Amai o teu próximo”. E tem sua marca: a cruz.

Toda marca é uma igreja, e você só constrói uma igreja se tiver um demônio. Para a Apple, o demônio era a mesmice da Microsoft e das empresas de computação clássicas com seus aparelhos tristes e feios. Na Nike, o demônio é a vida sedentária, os maratonistas de sofá sem adrenalina.

Quando você tem uma igreja, seus clientes são fiéis. Eu sou fiel à Apple, à Volvo. Essas marcas têm a minha cara e a minha alma. Têm propostade valor e de valores. A Volvo tem uma proposta de valor clara: segurança. Mas tem valores também: é sustentável, tem design bonito e discreto. Marcas assim não têm preço. Você é cativo, consome religiosamente e não pensa em trocar.

O grande CEO, como o João Adibe, da Cimed, é um evangelista. Uma convenção da Cimed parece um culto religioso. A empresa tem hino, tem cor, e João é o evangelista. Alexandre Birman é isso na Arezzo. Rony Meisler é isso na Reserva. Cultura atrai seguidores e afasta os Judas que traem a marca por quaisquer 30 moedas.

Meu ponto aqui é: as pessoas que só compram seus produtos por preço são clientes do preço. As pessoas que compram seus valores não são só seus consumidores, são seus fiéis.

Bernard Arnault é o homem mais rico do mundo porque suas consumidoras são Dior ou Louis Vuitton. Milton Maluhy, CEO do Itaú, dedica muito do seu tempo para alinhar a empresa à grande transformação do banco. E aí está a força do propósito na organização. O propósito une a empresa a uma razão sobrenatural.

A Patagônia, marca de roupas dos EUA, é uma igreja fanática por sustentabilidade. E isso não é só marketing. Seu fundador, Yvon Chouinard, era surfista e alpinista e quis criar uma marca de roupa que não agredisse a natureza. Se você quer entender uma construção religiosa de marca, leia o antológico livro que ele escreveu: “Let My People Go Surfing”, que é lindo.

A Patagônia foi pioneira em consumo responsável e dedica grande parte dos lucros à preservação ambiental. Chouinard virou bilionário fazendo tudo isso, mas o mundo e a natureza enriqueceram juntos. E os consumidores viraram fiéis.

Então, querido CEO, CMO, acionista: sua marca é uma igreja, seus clientes são fiéis. Qual é o credo da sua empresa? Quem são o seu evangelista e os seus pastores? E não pense que tudo isso é coisa de poeta.

Steve Jobs não vendia sua alma, mas vendia muito computador! Pensava em margem de lucro, em valor da marca, e não cometia o pecado mortal de queimar preço. Sua marca terá vida eterna enquanto seguir os mandamentos do ser sobrenatural que criou uma empresa de 1 trilhão de dólares porque seus consumidores não são só consumidores. São fiéis.

PS: Uma marca é uma igreja, mas uma igreja não é uma marca.

Autor: Nizan Guanaes é estrategista da N Ideias Consultoria
Publicação: Valor Econômico