TST impõe regras para bloqueio de CNH e cartões de devedores

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) impôs limites ao uso das chamadas medidas atípicas de execução (cobrança) — como o bloqueio de cartão de crédito, da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte. É a primeira manifestação do colegiado, responsável por uniformizar a jurisprudência, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto.

Em fevereiro, os ministros decidiram, por dez votos a um, que a aplicação de medidas atípicas, previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC), é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (ADI 5941).

No TST, os julgadores seguiram, por unanimidade, o voto do relator, ministro Douglas Alencar Rodrigues. Para ele, essas medidas só devem ser aplicadas em caráter excepcional ou subsidiário, quando as vias típicas [de execução] não viabilizarem a satisfação do crédito — tentativas de bloqueio de dinheiro, automóvel, imóvel ou outros bens.

Além disso, afirma o relator em seu voto, deve ficar claro que há ocultação de patrimônio e que o devedor possui condições de quitar o débito, “diante da existência de sinais exteriores de riqueza”.

No caso julgado, segundo o ministro, não foram preenchidos esses requisitos. “Na hipótese, da decisão censurada não constam quaisquer indicações de que os devedores venham ocultando bens ou de que o padrão de vida por eles experimentado revele a existência de patrimônio que lhes permita satisfazer a execução, em ordem a justificar a drástica determinação imposta”, diz Rodrigues.

No caso analisado pelos ministros da SDI-1,foram determinados a suspensão da CNH eobloqueio do uso de cartões de crédito dos devedores. A aplicação dessas medidas atípicas partiu da 7ª Vara do Trabalho de Londrina (PR).

O devedores recorreram ao Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), com a alegação de que necessitam das carteiras de habilitação para o desempenho de suas atividades profissionais e para sua subsistência. E dos seus cartões de crédito para despesas do dia a dia.

O TRT-PR decidiu, então, liberar as carteiras de habilitação, mas manteve o bloqueio dos cartões de crédito, o que foi reformado pelo TST. Para o ministro Douglas Alencar Rodrigues, não foi observada, pela autoridade judicial, “a indispensável adequação e a proporcionalidade na adoção da medida executiva atípica, que não deve ser empregada como mera punição dos devedores” (processo nº 1087-82.2021.5.09.0000).

De acordo com o advogado Ricardo Calcini, sócio-consultor de Chiode Minicucci Advogados - Littler Global, a decisão é importante e vai no sentido do que decidiu o STF. “Embora o Supremo tenha considerado constitucional as medidas atípicas, os ministros ressaltaram que deve se respeitar o princípio da dignidade humana e que deve se optar, na execução, pela maneira menos gravosa”, diz.

Apesar de a decisão da SDI-2 não ser vinculativa, acrescenta Calcini, é persuasiva e deve servir de orientação para toda a Justiça do Trabalho, barrando a pretensão de alguns juízes que têm abusado no uso das medidas atípicas, sem que haja necessidade. “Se existem medidas típicas menos gravosas, não se pode dar um salto e tomar medidas mais enérgicas, com força de coerção muito maior.”

Cassio Colombo Filho, desembargador aposentado do TRT-PR e hoje sócio do Romar Massoni & Lobo Advogados, ressalta que o Código de Processo Civil, ao prever essas medidas atípicas, deu um superpoder ao juiz, que pode tomar medidas até mesmo contra a pessoa do devedor, o que antes não era permitido.

Para Colombo, cabe ao magistrado “separar o joio do trigo” e verificar se o caso envolve um “bom devedor”, que reconhece a dívida, mas demonstra que realmente não tem como pagá-la, ou um mau devedor, que não quita o que deve e oculta patrimônio com uma vida de luxo.

“Na Justiça do Trabalho, até pela vulnerabilidade do credor, alguns juízes, se não há pagamento ou não se localiza patrimônio, já vão para cima do passaporte e bloqueiam os cartões”, afirma o advogado, acrescentando que magistrados têm adotado essas medidas sem muito critério. “Isso começou a atingir os bons devedores. E se bloqueia a CNH do sujeito que está trabalhando de Uber, não se permite que a pessoa possa se reerguer.”

A advogada Ester Lemes, do escritório Palópoli & Albrecht Advogados, também entende que essas medidas atípicas — bloqueio do cartão de crédito ou da CNH do executado — “não podem ser aplicadas de forma indiscriminada a ponto de atingir direitos e garantias individuais dos devedores”.

Segundo a advogada, a recente decisão do STF autorizou a aplicação dessas medidas, mas somente depois de esgotadas as tradicionais. “Há de se observar que o bloqueio do cartão de crédito fere o princípio da dignidade humana, vez que na maior parte das vezes é usado para compra de alimentos, medicações e tratamentos médicos. De forma que referida medida revela-se demasiadamente gravosa”, diz Ester Lemes.

Fonte: Valor Econômico