Contribuição previdenciária e intervalo intrajornada

Sob a perspectiva da tributação previdenciária, não podemos confundir a natureza jurídica do pagamento da supressão do intervalo intrajornada previsto no parágrafo 2º do artigo 2º Lei nº 5.811/1972 com o previsto no artigo 71 da CLT.

O parágrafo 2º do artigo 2º da Lei nº 5.811/1972, que dispõe sobre o regime de trabalho de empregados nas atividades de exploração, perfuração, produção e refinação de petróleo, industrialização do xisto, indústria petroquímica e transporte de petróleo e seus derivados por meio de dutos, prevê que o empregador, para garantir a normalidade das operações ou para atender a imperativos de segurança industrial, poderá exigir a disponibilidade do empregado no local de trabalho ou nas suas proximidades durante o intervalo intrajornada, devendo pagar mencionado período em dobro.

Nesse caso, e mesmo que o empregado não trabalhou durante o intervalo intrajornada, ele ficou à disposição do empregador, tendo direito ao pagamento em dobro do intervalo intrajornada.

Por sua vez, o artigo 71 da CLT prevê a obrigatoriedade da concessão de um intervalo para repouso e alimentação (intervalo intrajornada ou Hora Repouso Alimentação, que não é computada na jornada diária de trabalho) de, no mínimo, uma hora aos empregados, urbanos e rurais, cuja jornada exceda seis horas diárias.

Antes da vigência da Lei nº 13.467/2017, o parágrafo 4º do artigo 71 da CLT previa que a não concessão do intervalo intrajornada obrigava o empregador a remunerar o período suprimido com um acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Nesse sentido,oTST, na Súmula nº 437, consolidou o seu entendimento no sentido de que a não concessão, total ou parcial, do intervalo intrajornada mínimo, implica pagamento do período total com acréscimo de 50%sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho, sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.

Entretanto, a nova redação do parágrafo 4º do artigo 71 da CLT, dada pela Lei nº 13.467/2017, passou a dispor que a não concessão, total ou parcial, do intervalo intrajornada mínimo para repouso e alimentação dos empregados urbanos e rurais, implica pagamento apenas do período suprimido com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho, prevendo expressamente a natureza indenizatória do pagamento.

Dessa maneira, após a reforma trabalhista, a não fruição do intervalo intrajornada continua gerando o direito do empregado de receber a contraprestação pelo trabalho no período e o pagamento pelo tempo suprimido do seu intervalo intrajornada com natureza indenizatória.

Não obstante a alteração legislativa promovida pela reforma trabalhista, o STJ, no Recurso Especial nº 1.832.700/RS, manifestou o seguinte entendimento: “Quanto à natureza jurídicada verba, o STJ possui o entendimento de que a Hora Repouso Alimentação – HRA constitui verba paga ao trabalhador pela disponibilidade do empregado no local de trabalho, ou nas proximidades, durante o intervalo destinado a repouso e alimentação, conforme o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei nº 5.811/1972 (...) A alteração promovida pela Lei 13.467/2017 no artigo 71, parágrafo 4º, da CLT não tem o condão de modificar o entendimento supra. Isso porque a denominação e demais características formais adotadas pela lei são irrelevantes para qualificar a natureza jurídica do tributo (artigo 4º, I, do CTN)”.

Com o devido respeito, é preciso discordar do entendimento do STJ. A Lei nº 8.212/1991 define como hipótese de incidência da contribuição previdenciária a remuneração paga, devida ou creditada a qualquer título, durante o mês, destinada a retribuir o trabalho, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador. Em outras palavras, somente os valores pagos como contraprestação pelo trabalho ou pela disponibilidade do trabalhador são passíveis de incidência da contribuição previdenciária.

O intervalo intrajornada com base no artigo 71 da CLT não está sujeito à incidência de contribuições previdenciárias.

No caso dos empregados cujas atividades são disciplinadas pela Lei nº 5.811/1972, há legislação específica dispondo sobre a ausência de efetiva fruição do intervalo intrajornada, sendo o pagamento das horas destinadas ao repouso e alimentação devidos pelo fato dos empregados ficarem à disposição do empregador, independentemente de terem usufruído, ou não, o intervalo intrajornada. Assim, como o pagamento retribui o tempo que o empregado ficou à disposição do empregador, está sujeito à incidência da contribuição previdenciária.

Por outro lado, a supressão do intervalo intrajornada disciplinada no artigo 71 da CLT gera o direito do empregado de receber, além da contraprestação pelas horas laboradas no intervalo intrajornada (sujeita à incidência de contribuição previdenciária), também um valor pelo tempo suprimido do seu intervalo intrajornada, o qual não se destina a retribuir o trabalho, possuindo natureza indenizatória.

Portanto, o pagamento da supressão do intervalo intrajornada com base no artigo 71 da CLT não está sujeito à incidência de contribuições previdenciárias, tendo em vista a sua natureza indenizatória.

Renato Silveira,Cecília Yokoyama e Marcel Augusto Satomi são, respectivamente, sócio das áreas de contencioso tributário e tributação previdenciária no Machado Associados; sócia das áreas de tributos indiretos e tributação previdenciária no Machado Associados; e advogado das áreas trabalhista e tributação previdenciária no Machado Associados 

Fonte: Valor Econômico