Rediscussão de decisões tomadas em assembleia de condomínio

As decisões tomadas em assembleia de condomínio possuem natureza de ato jurídico. E para ter sua validade reconhecida, como tal, devem preencher os requisitos indispensáveis para sua constituição, quais sejam, manifestação de vontade livre, objeto lícito e observação de forma prescrita ou não defesa em lei.

Em regra, uma vez perfectibilizado, o ato jurídico somente poderá ser desconstituído em razão do reconhecimento de nulidades (art. 166 do Código Civil/2002) ou vícios que o inquinem de anulabilidade (art. 171 do CC/2002).

A nulidade de uma assembleia está ligada a ausência de requisitos formais para sua constituição, como:

- inobservância de quórum para deliberação;
- falhas na convocação;
- ausência de descrição da matéria no edital de convocação;
- computo de voto de inadimplentes;
- entre outros. 

A anulação de uma assembleia está ligada à um dos vícios de consentimento, sendo esses o erro, dolo, coação, fraude contra credores, lesão e estado de perigo.

Nestes casos, a opinião emitida pelos condôminos está viciada, não guardando correspondência entre a “vontade real interior” e aquela externalizada.

Decisões tomadas em assembleia: exemplos para anulação 
A título de exemplos, temos o caso da eleição de um síndico que tenha apresentado currículo e informações falsas por ocasião da assembleia de eleição; escolha de empresa para a prestação de serviços cujos orçamentos concorrentes foram objeto de fraude; aprovação de contas fundamentada em informações adulteradas.

Em todos estes casos, a manifestação de vontade dos condôminos baseou-se em fatos inexistentes, pois inverídicos. 

Uma vez tomada uma decisão sobre determinado tema pela assembleia, observados os requisitos formais para sua constituição e ausente vícios de consentimento, temos um ato jurídico perfeito, que deve ser respeitado.

Entretanto, isso não significa que, havendo motivos relevantes, não possa ser revisto pela própria assembleia em momento posterior, em atenção ao princípio da segurança jurídica e o da soberania das decisões, que impingem à assembleia dos condôminos discricionariedade motivada para rever seus próprios atos com vistas a atender ao interesse da coletividade. 

Segurança jurídica x decisões tomadas em assembleia
Quanto à segurança jurídica, essa nada tem a ver com a imutabilidade das decisões, mas com a estabilidade e previsibilidade das consequências jurídicas destas mesmas decisões. Para Migue Reale Junior “certeza e segurança formam uma ‘díade’ inseparável”, pois:

[...] se é verdade que quanto mais o direito se torna certo, mais gera condições de segurança, também é necessário não esquecer que a certeza estática e definitiva acabaria por destruir a formulação de novas soluções mais adequadas à vida, e essa impossibilidade de inovar acabaria gerando a revolta e a insegurança. Chego mesmo a dizer que uma segurança absolutamente certa seria uma razão de insegurança, visto ser conatural ao homem – único ente dotado de liberdade e de poder de síntese – o impulso para a mudança e a perfectibilidade, o que Camus, sob outro ângulo, denomina “espírito de revolta”.

Uma decisão tomada pelos condôminos sob condição de imutabilidade e irreversibilidade é fator de insegurança jurídica, uma vez que engessaria a atuação dos condôminos e fossilizaria suas próprias decisões, em absoluta contradição ao dinamismo dos acontecimentos.

Limites na soberania de decisões tomadas em assembleia
A soberania das decisões tomadas em assembleia, por sua vez, está relacionada a competência de autorregulação e de decidir sobre matérias elencadas pela legislação civil, convenção do condomínio, bem como aquelas de interesse geral, atendendo a critérios de adequação e pertinência.

Em suma síntese, constitui no poder de optar pelo “melhor para a coletividade”, incluindo voltar atrás de uma decisão anteriormente tomada.

Regra geral, "a deliberação da assembleia condominial é soberana e tem força cogente, de sorte que obriga a todos os condôminos; com efeito, somente é passível de ser desconstituída por outra decisão soberana da própria Assembleia ou por decisão judicial, esta última na hipótese de flagrante ilegalidade" (TJDF - Acórdão 1007856, Rel. Flavio Rostirola, 3ª TC, DJE: 5/4/2017)

Motivo fundamentado para rediscutir decisões tomadas em assembleia
Entretanto, não podemos perder de vista que a reavaliação de decisão tomada por assembleia anterior que leve à sua alteração deve apresentar um motivo, seja de ordem financeira, natural, técnica ou jurídica, não podendo resultar de mero espírito de revanchismo, obstrução ao trabalho da administração, ou outros que afrontem a boa-fé, infelizmente tão comuns de se observar em condomínios. 

Em alguns casos bastante específicos, como a eleição de síndico e aprovação de contas, o processo de desconstituição das decisões que elege e aprova é bastante rígido.  Vejamos:

1) Eleição de síndico: neste primeiro caso, exige-se a presença de um dos três motivos previstos no art. 1349 do Código civil, quais sejam “praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio”, garantindo-se ao síndico o direito de ampla defesa.

2) Aprovação de contas: neste segundo caso, uma vez aprovadas as contas do síndico, essa somente poderá ser desconstituída por sentença em ação judicial que vise a anulação dessa mesma assembleia. 

Em outros casos, como escolha de prestador de serviços, definição de rateios para obras, contratação de empresa de crédito garantido, definição de padronização para envidraçamento de sacadas, definição de obras a serem realizadas no condomínio, remuneração do síndico, fechamento de garagens, fixação da previsão orçamentária, entre outras, podem ser reavaliadas e alteradas por assembleia posterior em processo bastante simples, desde que existente um motivo. 

Durante a pandemia, muitas decisões acerca da contratação futura de obras e serviços foram suspensas por deliberação posterior, com vistas a aliviar o fardo carregado por tantos condôminos que perderam seus empregos ou tiveram, de qualquer forma, reduzido sua fonte de renda.

Voltar atrás nas decisões assembleares pode implicar em consequências
Deve-se ressaltar que, muito embora possível “voltar atrás” nas decisões, isso não significa que, uma vez alterada a decisão pela assembleia, nenhuma consequência advirá. Da lição De Biasi Ruggiero:

"A resolução da assembleia geral não cria direito adquirido, podendo ser tornada insubsistente por resolução posterior. É evidente que há casos em que, pela sua peculiaridade, essa revogação gera perdas e danos. A revogabilidade das deliberações da assembleia, assim como a alterabilidade da convenção, integra o direito de propriedade.

"As deliberações são eficazes até que sejam anuladas judicialmente ou alteradas por outra assembleia, a menos que trate de ato inexistente ou nulo de pleno direito. É válida a ratificação, por outra assembleia, de deliberação inquinada de vício." (Fonte: Ruggiero, Biasi. Questões Imobiliárias, Editora Saraiva, 1.997, fls. 26 e 27)

Com efeito, como ato jurídico que é, criando direitos e obrigações, em sendo determinado o “cancelamento” de um ato (seja pela decretação de nulidade, anulabilidade ou por discricionariedade motivada), a parte inocente poderá exigir reparação por perdas e danos.

A título de exemplo, cite-se um contrato de prestação de serviços que depois de celebrado é “cancelado” antes do seu prazo final de vigência ou da conclusão do objeto sem culpa do contratado.

Naturalmente, esse fará jus ao recebimento de indenização equivalente ao prejuízo suportado, seja por meio de perdas e danos a se apurar em liquidação, seja por meio do valor ajustado à título de cláusula penal compensatória.

Em linhas gerais, podemos concluir que uma decisão de assembleia pode ser revista e alterada em momento posterior por deliberação de nova assembleia, seja por nulidade, anulabilidade ou discricionariedade motivada, sem prejuízo de se compor o prejuízo eventualmente suportado por aqueles que tiverem operado de boa-fé.

Autor: (*) Zulmar Koerich é advogado especialista em condomínios que atua em Santa Catarina; autor de três livros “Condomínio Edilício - Aspectos Práticos e Teóricos”, “Manual para Síndicos, Membros de Conselho e Administradores em 323 perguntas e respostas”, e “Danos Morais nos Tribunais”; pós-graduado em Direito Civil e Empresarial.

Publicação original: Sindiconet