Justiça reverte justa causa aplicada a funcionários flagrados sem máscara

A Justiça do Trabalho tem revertido demissões por justa causa sofrida por funcionários que, durante algum tempo, deixaram de usar máscara contra a Covid-19 no ambiente de trabalho. Há decisões de primeira e segunda instâncias. Consideram que, apesar do uso do equipamento ser obrigatório, o trabalhador não pode, por um ato isolado, receber uma punição tão grave.

Nesses casos, de acordo com os magistrados, as empresas deveriam ter aplicado uma gradação de pena (como advertência e suspensão) antes de partir para a justa causa. O tema, contudo, ainda é muito novo e existem poucas decisões.

A demissão por justa causa está prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O dispositivo elenca 13 situações para aplicação da medida. É caracterizada como uma punição ao empregado, que perde praticamente todos os direitos de rescisão. Só recebe saldo de salários e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional. Fica sem aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego.

Uma das decisões beneficia uma funcionária de telemarketing de Minas Gerais. Ela trabalhava há sete anos na empresa e foi demitida por ter retirado a máscara durante o horário de trabalho, no dia 16 de julho. No processo, a empregadora alega que a trabalhadora teria agido de forma insubordinada, o que tornaria “insustentável” a manutenção de vínculo de emprego.

Por maioria de votos, a 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais manteve a sentença que reverteu a demissão por justa causa. O relator, desembargador Marcos Penido de Oliveira, ficou vencido.

Para ele, ficou comprovado que a empresa forneceu máscaras e orientou sobre a utilização. Porém, a própria trabalhadora confessou que no intervalo entre um atendimento e outro deslocou a máscara para a parte inferior do rosto para restabelecer sua respiração. O que revela, segundo o desembargador, “insubordinação, eis que obrigatório uso da máscara protetora, que deve tampar nariz e boca ao invés de ficar no queixo, principalmente no local de trabalho, fechado, por sinal.”

Oliveira destaca, em seu voto, que o artigo 1º do Decreto Municipal nº 17.332, de 2020, de Belo Horizonte, e a Lei nº 11.019, de 2020, dispõem sobre a utilização obrigatória de máscara. A conduta da funcionária, acrescenta, colocou “em risco a segurança dos outros funcionários” e, por isso, deve ser aplicada a penalidade máxima (processo nº 0010517-02.2020.5.03.0181).

Os demais desembargadores, porém, votaram em sentido contrário, mantendo a sentença proferida pelo juiz Alexandre Reis Pereira de Barros, da 43ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

Na decisão, o juiz afirma que é fato público e notório que a máscara facial constitui meio eficaz para reduzir a disseminação do coronavírus, sendo sua utilização de uso obrigatório e que a não utilização da máscara constitui falta da funcionária. Entretanto, segundo ele, os vídeos apresentados pela empresa mostram que a negligência ocorreu apenas por breves momentos durante o curto período de filmagem (pouco mais de 13 minutos).

Pelo vídeo, diz o juiz na sentença, verifica-se que a trabalhadora permaneceu sentada em seu posto de atendimento (um box com barreiras frontais e laterais), respeitando o distanciamento social mínimo e sem manter contato com outras pessoas. Não se pode, acrescenta, “via de regra, legitimar a aplicação da justa causa com base em um único incidente”.

Segundo a advogada Ester Lemes, do Palópoli & Albrecht Advogados, o empregado deve ser punido por não usar máscara, mas deve-se aplicar a sanção cabível, com gradação de punições. No caso de Minas, diz, caso a empregada tivesse saído da sua mesa, andado pelo escritório ou mantido contato com demais empregados, seria possível a aplicação da justa causa.

A advogada lembra que a máscara é um equipamento de proteção individual (EPI) e que existem diversas decisões da Justiça do Trabalho mantendo a justa causa de trabalhadores flagrados sem EPI.

A situação é complexa, uma vez que mesmo por poucos minutos sem máscara poderia haver contágio das pessoas próximas no ambiente de trabalho.

Fonte: Valor Econômico