Engenharia condominial e seus aspectos jurídicos em tempo de Covid-19

Estamos em tempo de lives, algumas de profundo aprendizado, reflexões, conhecimento e possibilidades plenas de abertura dos nossos horizontes, mesmo que a coordenação da live seja desta ou daquela especialidade. Desde que você tenha um pouco de conhecimento e postura ativa de buscar aprender e confirmar alguns fatos noticiados.

A live levada ao ar pelo engenheiro Mário Galvão, do Distrito Federal, sob o título acima, composta por três engenheiros e dois advogados, merece uma reflexão e comentários, para melhor compreensão do público alvo: os síndicos.

Para isso, o SIPCES pontuou os principais pontos, colocando as suas considerações, sobretudo, ao final da publicação.

1) CLÁUSULAS CONTRATUAIS EM TEMPO DE COVID

Indiscutível que novos contratos firmados neste momento ou pós pandemia deverão constar regras ou cláusulas de atraso da obra, por conta de pandemia, garantindo a proteção das partes, afinal, equilíbrio contratual é princípio.

Contratos em vigor requerem aditivo para estabelecer nova pactuação quanto ao prazo e eventual aumento ou redução de custos.

2) CONTRATOS VIGENTES: PARALISAÇÃO OU RESCISÃO

É preciso avaliar tecnicamente as vantagens ou desvantagens de paralisar a obra em tempo de Covid, pois, de forma geral, custos de obras são planilhadas, portanto, há custo apurado que pode aumentar em caso de paralisação.

Outra questão que deve ser levado em conta é se a obra foi aprovada em assembleia (pelo quórum exigido), logo, em caso positivo, não é prudente ao síndico, mediante canetada, de forma unilateral e pessoal, sem apoio técnico, paralisar a obra.

3) AÇÕES PARA CONTINUIDADE DE OBRAS – PRECAUÇÕES

Atender a NBR 16280, que dispõe sobre a execução de obras em edificações e nas unidades, especialmente, é lógico, quando alteram a situação original dos elementos construtivos.

Construtoras ou prestadores de serviços (execução de obras) estão adotando alguns cuidados neste momento para garantir a vida e saúde dos condôminos:

Medir temperatura dos empregados não é garantia de que o empregado não esteja infectado, mas previne de pronto o trabalho de empregado em estado febril, que pode ser por qualquer infecção ou doença, até pela Covid.

Recomendamos zelo e cautela para a não exposição do empregado, o que pode gerar dano moral. Alguns juristas recomendam que a medição de temperatura seja realizada por equipe da segurança do trabalho e a identificação pela matrícula do empregado e as providências, em caso de temperatura elevada, seja garantido a imagem do colaborador.

Uso dos equipamentos de proteção individuais (EPI's), ressaltando que álcool em gel e máscara tornaram-se equipamentos de proteção.
Evitar trânsito de funcionários pelas áreas comuns e, quando necessário, sempre protegidos, além dos procedimentos de limpeza e desinfecção das áreas de circulação após uso.

4) OBRAS EM CONDOMÍNIOS E PROJETO DE LEI 1179

Ressaltamos o Projeto de Lei 1179/2020, originado no Senado e aprovado, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado. Uma das regras aprovadas é que a realização de obras pelo condomínio ou condômino estão proibidas, exceto obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias.

Algumas questões levantadas possuem pertinência:

- Tem o síndico capacidade técnica para proibir obras ou definir o que é obra necessária?
- Tem o síndico capacidade técnica para avaliar o custo x benefício de continuar a obra, especialmente se integrante do PMP (plano de manutenção preventiva) ou, como gosto de denominar, plano de gestão da manutenção, exigido pelas normas técnicas?

Importante avaliar de forma técnica se as obras, efetivamente, são necessárias e emergenciais, se colocam em risco a edificação e podem causar danos materiais, com possível responsabilidade do condomínio.   

Podem alguns possuírem esta competência, também penso que o bom senso deve prevalecer, não queremos síndicos autoritários, mas gestões transparentes e participativas. Portanto, ouvir os condôminos, por qualquer meio, é uma alternativa.

5) MANUAL DE OPERAÇÃO, USO E MANUTENÇÃO DAS EDIFICAÇÕES

A NBR 14037 é uma norma técnica aprovada e divulgada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), constitui de um documento que reúne apropriadamente todas as informações necessárias para orientar as atividades de operação, uso e manutenção da edificação. É entregue pela construtora ao síndico e a cada proprietário da unidade individual.

É imprescindível o cumprimento das manutenções mencionadas nesta norma, incluindo a NBR 5674 (manutenção das edificações), mesmo em tempo de pandemia, ou postergada, se necessário, desde que não provoque perda da vida útil dos equipamentos e elementos construtivos.

As construtoras estão percebendo e mudando de atitudes. Não basta entregar um belo manual, mas que as manutenções sejam de fácil execução e que treine os síndicos ou prepostos (encarregado de manutenção) para o cumprimento deste.

6) NÃO EXECUÇÃO DO PLANO DE MANUTENÇÃO OU DO MANUAL DE OPERAÇÃO, USO E MANUTENÇÃO DA EDIFICAÇÃO.

Constitui omissão e negligência do síndico em relação a sua obrigação de zelar pela manutenção e conservação da edificação, garantindo e ampliando a vida útil do edifício e seus elementos construtivos. Não aplicar a NBR 14037. Na mesma situação incorre o condômino que não observa as recomendações em relação a sua unidade.

Outra preocupação demonstrada é contratar pessoas ou empresas não capacitadas e indicadas no manual de operação, por preço barato, podendo ocasionar manutenções deficientes, com reflexos futuros.

7) NOTIFICAÇÃO DA CONSTRUTORA POR VÍCIOS OU FALHAS DE OBRA

Com base no artigo 618 do Código Civil, que dispõe de forma clara “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”, os condomínios notificam as construtoras informando vícios de obras, requerendo providências para recuperação.

A grande mudança que o SIPCES já vem abordando nos cursos de gestão da manutenção e lembrado e exposto na live, é que as construtoras estão contra notificando os condomínios nessas situações, indagando se o condomínio cumpriu as normas técnicas 5674 e 14037, inclusive, imputando a responsabilização com base no artigo 186 do Código citado, que prescreve “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Síndicos e empresas administradoras, vejam a importância dessa questão. As oportunidades e riscos do cumprimento correto das NBRs acima citadas, sob pena de responder na esfera cível e até criminal.

8) SÍNDICO AVALIAR SUSPENDER OU IMPEDIR OBRAS NAS UNIDADES HABITACIONAIS

De início, a recomendação era proibir obras nas unidades habitacionais que não fossem urgentes e necessárias, mas sempre zelando pelo bom senso e casos concretos.

A segunda questão já abordada é: possui o síndico competência técnica para avaliar a necessidade ou urgência da obra? Mesmo numa pintura, em tese obra simples, pode ser necessária. Pense num morador alérgico, que para morar no imóvel alugado precisa pintar a unidade com tinta antimofo, obra essa necessária a saúde do inquilino no morador, portanto, não cabe ao síndico proibir este serviço.

Outras questões devem ser levadas em consideração: o condômino utiliza cautelas na execução da obra, atende a NBR 16280, os empregados ou prestadores utilizam EPI´s, é mantido a limpeza das áreas comuns após saída dos prestadores de serviços?

Por fim, possui o síndico apoio técnico ou jurídico para, de forma segura, suspender ou proibir as obras nas unidades?

9) RECOMENDAÇÕES OU EXIGÊNCIAS PARA OBRAS NAS UNIDADES PRIVATIVAS

A maioria das convenções estabelece que cabe ao condômino apresentar ao síndico o pedido de realização de obras, cabendo ao síndico responder no prazo fixado, sob pena de inércia, restar aprovado a obra.

Todavia, em decorrência de inúmeras acidentes ou incidentes com realização de obras em unidades privativas que provocaram, na maior gravidade, o desmoronamento da edificação, foi aprovado pela ABNT a NBR 16280 que trata de reformas em edificações.

Polêmica à parte provocada por matérias não técnicas divulgadas na imprensa, levou síndicos a exigir projeto de toda e qualquer obra. Na verdade, uma ação sem embasamento técnico.

Na verdade, obras em unidades privativas que alteram as condições originárias da edificação e seus elementos construtivos demandam atendimento a NBR 16280, ou seja, apresentação de projeto, ART ou RRT e atendimento às regras estabelecidas na referida norma, quer quanto ao transporte de materiais, descartes de restos de obras, acesso de prestadores de serviços, tempo de obra, ruídos, etc.

10) QUAL HABILITAÇÃO PARA LAUDO DE INSPEÇÃO PREDIAL OU PARA AUTORIZAR A REALIZAÇÃO OU NÃO DE OBRA?

O síndico, de forma geral, não possui capacitação técnica para autorizar ou impedir a realização de obra, devendo valer-se de opinião técnica. O condômino deve apresentar projeto, quando devido, elaborado por engenheiro ou arquiteto especializado e com experiência na obra ou serviço a ser executado, afastando assim, o faz tudo ou multi tudo.

No tocante à contratação de laudo de inspeção predial, estão habilitados engenheiros e arquitetos, mas deve o contratante averiguar a expertise desses na elaboração do referido laudo.

11) OBRA NÃO EMERGENCIAL – PRESSÃO DO CONDÔMINO

Muito comum o condômino entender que sua obra é essencial ou emergencial, sem qualquer anotação técnica e pressionar o síndico para realização da obra.

O síndico deve conversar com o condômino para mostrar a realidade de sua obra ou obter apoio técnico e jurídico para embasar sua decisão.

12) AÇÔES DO SÍNDICO RELACIONADOS AS OBRAS IRREGULARES

Muito comum a realização de obras irregulares não comunicadas e autorizadas pelo síndico e, mais grave, não atendendo a NBR 16280, gerando transtornos e necessidade de atuação da gestão condominial.

Cabe ao síndico, conforme a situação:

- embargar a obra, de forma direta, verbal ou escrita
- denunciar a obra ao CREA e a Prefeitura, para embargo
- exigir atendimento da NBR 16280 para continuidade da obra
- proibir acesso de prestadores de serviços
- ação judicial para embargo da obra

Importante lembrar que é dever do condômino nos termos do artigo 1.336, § 4° do Código Civil, “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.

13) OBRAS REALIZADAS NA UNIDADE DO SÍNDICO e NÃO DESEJA PARAR A EXECUÇÃO

O síndico é um condômino, logo deve atender todas os requisitos legais e convencionais para realização da sua obra. Até porque, nos termos do artigo 1.348, IV, do Código Civil, compete ao síndico cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia.

O descumprimento dessas regras pode implicar no pedido de destituição do síndico, nos termos do artigo 1.349, do mesmo código.

Logo, se a obra foi autorizada, deve continuar, especialmente se necessária. 

Sabemos o quanto difícil será a fiscalização, mas pode o condômino adotar algumas das ações previstas no item 12.

14) PROBLEMAS FUTURO COM OBRAS

A recomendação é atuação do síndico com apoio profissional, contrato com normas de segurança jurídica e fiscalização. Defendemos sempre que obras devem ser fiscalizadas por profissional contratado pelo condomínio, pois, de forma geral, síndico e empresa administradora não têm essa competência técnica, evitando assim, assumirem responsabilidades jurídicas.

No caso de eventuais problemas, cobrar da contratada suas responsabilidades.

15) PROJETO DE LEI 1179

Para os debatedores, o projeto de lei não é uma solução para tudo, ou não contribui em nada, pois a responsabilidade é do síndico, a quem compete autorizar ou não a execução da obra, devendo para isto, conforme já ressaltado, ter apoio técnico.

O projeto, ao citar obras de benfeitorias necessárias em que pese a disposição do artigo 96 do Código Civil, que determina o que são obras úteis, voluptuárias e necessárias, não esclarece o que são obras necessárias, logo, além do bom senso, a avaliação técnica é imprescindível para orientar o sindico.

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

Além do projeto de lei citado, Estados e Municípios, conforme decisão do STF, possuem competência em tempos de pandemia para adotarem medidas concorrentes com a União, logo, podem aprovar leis envolvendo mesmas matérias.

Por fim, a título de exemplo, uma simples pintura pode ser útil ou necessária para proteção da edificação contra infiltrações, por exemplo. A mesma coisa é preciso capacidade técnica para estabelecer reforma em elevador, se útil, voluptuária ou necessária.

O bom senso e orientação técnica, jurídica e de engenharia, devem nortear as deliberações do síndico.

16) JUDICIALIZAÇÃO DA QUESTÃO – EVITAR OU PARALISAR OBRAS

Mesmo obras aprovadas com o quórum legal, podem ser judicializadas por condômino contrário.

Assim, neste momento, é preciso maior cautela da administração condominial, na determinação de autorizar, não aprovar ou paralisar obras, quer pelo condomínio quanto pelos condôminos.

Temos ações judiciais determinando paralisação ou continuidade de obras, ou seja, precisamos analisar o caso concreto e envolver os condôminos, bem como o devido respaldo técnico. 

Ficou PACIFICADO entre os debatedores (engenheiros e advogados) que esta determinação deve ter apoio técnico de engenheiros e advogados, respaldando o síndico e toda a coletividade. Sugerimos ouvir a live no canal youtube - https://www.youtube.com/watch?v=feKoREibKdk&t=5364s

CONCLUSÃO DO SIPCES

Todos pregamos que a recomendação do momento é NÃO realizar obras nas unidades, por conta dos riscos de propagação do coronavírus, evitar transtornos aos moradores, com maior presença diária de crianças, idosos e trabalho home office, situações que devem ser levadas em consideração.

O caso concreto e respaldo técnico deve ser a regra a ser seguida pela administração condominial, pois o conceito de obra necessária contida no artigo 96 do Código Civil NÃO resolve todas as nuances

ONDE TEM CONDOMÍNIOS TEM O SIPCES.