Supremo deve voltar a discutir o tema "negociado sobre o legislado"

Os milhares de processos trabalhistas suspensos no país na semana passada, por tratarem da validade de norma coletiva que limite ou restrinja direito trabalhista não assegurado na Constituição, podem ser liberados para julgamento em dezembro. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve voltar a discutir o tema “negociado sobre o legislado” no dia 4.

Os processos foram suspensos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em cumprimento a uma decisão do ministro Gilmar Mendes, de julho, dada em um caso em repercussão geral (ARE 1121633). Em dezembro, porém, o Supremo analisará um outro processo, também de relatoria do ministro. Trata-se de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 381), proposta pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Segundo o ex-presidente do TST, Vantuil Abdala, que hoje atua como advogado no Abdala Advogados, como se trata de uma ADPF, com efeito erga omnes (que traz efeito para todos), “a questão deve ficar resolvida, quando houver o julgamento no Supremo”. Ele acrescenta que pelo fato dos dois processos terem o mesmo relator, o ministro Gilmar Mendes, “não há dúvida que ele vai decidir sobre os dois, caso entenda que o assunto seja realmente o mesmo”.

Abdala ainda destaca que, nas situações em que há processos semelhantes, é comum que os advogados e as partes se manifestem pedindo que sejam julgados na mesma ocasião. “O que é muito conveniente porque essa incerteza traz insegurança jurídica tanto para o trabalhador quanto para o empregador”, diz o advogado. O trabalhador, acrescenta, fica na expectativa de uma definição por anos a fio e a empresa é obrigada a fazer contigenciamento de valores.

A ação da CNT questiona decisões do TST e de Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) que declararam inválidos dispositivos de normas coletivas firmadas entre transportadoras e motoristas. Segundo as cláusulas, o motorista externo não teria direito ao controle de jornada.

Além de declararem as cláusulas nulas, as decisões condenaram as empresas ao pagamento de horas extras porque existiriam formas de controlar a jornada de trabalho. A discussão só trata de casos anteriores à Lei nº 12.619, de 2012, que disciplina a profissão de motorista e determina o controle de jornada.

Para o chefe de gabinete da presidência da CNT, Guilherme Theo Sampaio, as decisões que anularam essas cláusulas violam o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição, que reconhece a validade das convenções e acordos coletivos de trabalho. Apesar do julgamento ser de tema específico para os motoristas e transportadoras, afirma, será um novo precedente para reafirmar a validade dessas normas, admitidas em outras ocasiões pelo Supremo.

Como o ministro Gilmar Mendes é o relator da ADPF, assim como do processo em que suspendeu genericamente todas as ações do país, acrescenta Sampaio, ele poderá suscitar essa questão no julgamento.

O advogado trabalhista e professor da PUC-SP, Antonio Carlos Matteis de Arruda Júnior, sócio do Velloza Advogados, considera importante que o Supremo, ao julgar novamente o tema, trace limites sobre o que seria permitido nessas cláusulas para que realmente sirva de orientação para os juízes do trabalho. “Seria necessário modular os efeitos da decisão para dar segurança jurídica e atender o interesse social”, diz.

O TST suspendeu os processos que tratam da validade de norma coletiva que limite ou restrinja direito trabalhista não assegurada constitucionalmente ao seguir o que foi decidido pelo ministro Gilmar Mendes na análise de recurso interposto pela Mineração Serra Grande, de Goiás. O recurso foi declarado de repercussão geral sob o tema 1046.

O gerente jurídico da Confederação Nacional da Industria (CNI), Cássio Borges, afirma que o pedido para a suspensão partiu da CNI, uma vez que o Supremo sinalizou que no caso da Mineração Serra Grande não se trata de confirmação de jurisprudência. “Isso gerou um alerta porque a CNI percebeu que poderia haver um novo enfoque”, diz. Até então, se achava que o julgamento ocorrido em 2015 já tinha estabelecido, de forma abrangente, que pode haver a prevalência do negociado sobre o legislado.

Em 2015, em repercussão geral, os ministros consideraram válida cláusula que estabelecia renúncia geral a direitos trabalhistas prevista em termo de adesão a programa de desligamento incentivado (PDI) aberto pelo Banco do Brasil após a incorporação do Banco do Estado de Santa Catarina (Besc).

Fonte: Valor Econômico, por Adriana Aguiar e Beatriz Olivon, 15.10.2019