Inadimplência: Cessão de crédito é uma solução?

Inadimplência é um sério problema para toda atividade empresarial: afeta o fluxo de caixa, reduz liquidez e compromete o pagamento das despesas, especialmente se não existir uma reserva ou um colchão financeiro que possa superar esses momentos. Com a administração condominial é a mesma situação, agravada ainda por aumento da inadimplência e ausência do fundo de reserva ou suas restrições para uso dos valores depositados nesta conta. Afinal, fundo de reserva não é para custear despesas ordinárias.

É obrigação do condômino nos termos do artigo 12 da Lei 4.591/64 e artigo 1.336, I, do Código Civil concorrer/contribuir para as despesas condominiais, efetuando o pagamento na data prevista na taxa ou boleto condominial, sob pena de ser caracterizado inadimplente, e nesta condição não participar e votar nas deliberações assembleares (art. 1.335, III, Código Civil).

É competência do síndico na forma prevista no artigo 1.348, VII, do mesmo código acima citado, cobrar dos condôminos as suas contribuições, por meio amigável ou judicial.

Não há na lei e nem é preciso estabelecer prazo para definir quando começa a inadimplência, pois é explicita no boleto, ou seja, não havendo tolerância concedida pelo credor, não efetuado o pagamento na data do vencimento, no
dia seguinte já temos a inadimplência.

Vale ressaltar que o artigo 315 do Código Civil estabelece que as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, de forma que, se não cumprida a obrigação, responde o devedor por juros, atualização monetária e perdas e danos, inclusive, honorários advocatícios, vide o contido no artigo 389 do mesmo códex.

Nos condomínios aplicar as vedações impostas pela inadimplência tem sido motivo de discórdia e discussões, logo, não havendo nada específico na Convenção, não há impedimento que a assembleia delibere que inadimplência, para efeito de participar da assembleia e votar, seja contada até o mês anterior ou a data da convocação. Isso evita discussões e aplicações de regras a bel prazer de cada administração.

Combater a inadimplência, portanto, exige uma ação rápida e eficaz que deve ser adotada pela administração condominial (síndico) ou empresa de administração de condomínios, contratada pelo condomínio, a quem é transferida em parte funções administrativas ou de representação (parágrafo segundo, do artigo 1.348, Código citado).

Inicialmente, cobrança administrativa, via notificação de débito é a mais indicada e salutar.

Não surtindo efeito, a dívida deve ser executada e não cobrada, afinal, taxas de condomínio após vigência do Código de Processo Civil (CPC) em 2015, é título executivo extrajudicial, art. 784, X. Este procedimento ficou mais rápido, pois o executado será citado para pagar em três dias ou no prazo de até 15 dias parcelar a dívida, vide artigos 827, § 1° c/c artigo 916 do CPC/2015.

Aqui vai uma sugestão aos síndicos: negociar é uma arte na cobrança de dívidas, afinal, quanto mais rápido receber o crédito melhor. Portanto não deve o síndico impor condições para parcelamento que não sejam plausíveis ou que impeça o cumprimento da obrigação. Ora, se a lei já concede ao devedor a opção de efetuar o pagamento do débito com entrada de 30% e o restante em seis parcelas, acrescidas de correção monetária e juros, não há razão para administrações condominiais impor dificuldades no processo de negociação.

Assim, é possível aumentar o prazo de parcelamento, impor multa de 10, 20%, etc. pelo atraso no pagamento, além de correção e juros das parcelas. Nesse caso, deve ser elaborado um termo de acordo, através do advogado ou assessoria jurídica do SIPCES, assinado por duas testemunhas, tornando este documento um título executivo extrajudicial, artigo 784, III, CPC/2015.

Pode o condomínio contratar assessoria jurídica para proceder a cobrança dos inadimplentes. Sugerimos cuidado e análise do contrato e das obrigações nele contidas, pois temos visto muitos contratos com cláusulas leoninas, transferindo toda a carteira de crédito para o contratado, alguns exigindo número de ações mensais, cobranças de percentuais sobre valor recebido e barreiras para rescisão deste contrato.

Nessa situação específica, o credor continua sendo o condomínio, portanto, titular do direito de ação, ou seja, é parte legítima para execução da dívida condominial não quitada pelo devedor (condômino).

57989747 - DESPESAS DE CONDOMÍNIO. Contrato de prestação de serviço celebrado entre o autor e empresa prestadora de serviços de cobrança. Vigência posterior aos débitos cobrados na demanda. Não caracterização de sub-rogação ou cessão de crédito. Legitimidade ativa caracterizada. Apelação não provida. (TJPR; ApCiv 1694595-0; Ponta Grossa; Décima Câmara Cível; Rel. Des. Albino Jacomel Guerios; Julg. 26/10/2017; DJPR 13/11/2017; Pág. 199).

Outra solução que o mercado disponibiliza para os condomínios é a compra de crédito, onde o credor (condomínio) faz a cessão de crédito para um terceiro, de forma onerosa. A cessão de crédito é regulada pelo Código Civil artigos 286 a 298.

A cessão de crédito por parte do condomínio deve ser efetivada mediante contrato particular e para ter eficácia em relação ao devedor (condômino), esse deve ser notificado ou tomar ciência.

A administração condominial para atender essa exigência da lei deve convocar assembleia e levar à apreciação dos condôminos a cessão do crédito, explicando aos condôminos as regras contratuais, penalidades, etc.

Na cessão de crédito há uma troca da titularidade do crédito, ou seja, o condomínio deixar de ser credor, esse será a empresa que mediante contrato adquiriu os créditos do condomínio na forma pactuada em contrato.

Assim, o devedor será acionado pelo novo CREDOR e não pelo condomínio, que não possui legitimidade para efetuar a cobrança.

COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS – CESSÃO DE CRÉDITO DOCUMENTADA –ILEGITIMIDADE ATIVA DO CONDOMÍNIO. Se o condomínio cedeu à empresa de cobrança o crédito decorrente das cotas condominiais, dessume-se que não tem legitimidade para postular a cobrança das cotas em atraso.

(TJ-PR – AC: 2321931 PR Apelação Cível – 0232193-1, Relator: Edvino Bochnia, Data de Julgamento: 30/10/2003, Decima Câmara Cível (extinto TA), Data de Publicação: 14/11/2003 DJ:6498). 76214615 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXTRAJUDICIAL. CESSÃO DE CRÉDITO. SUBSTITUIÇÃO DO POLO ATIVO. CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PARADIGMA N. 1.091.443. Documentada nos autos a cessão de crédito, expresso o contrato, valor e devedor, cabível a substituição do polo ativo, passando a figurar o cessionário como exequente. Regra específica referente ao processo de execução, no caso, art. 566, §1º, III, do CPC/73, art. 778, §1º, III, do CPC/15. Entendimento consolidado do STJ em recurso paradigma. Agravo provido. (TJRS; AI 0081565-20.2016.8.21.7000; Rio Grande; Décima Sexta Câmara Cível; Relª Desª Ana Maria Nedel Scalzilli; Julg. 15/12/2016; DJERS 24/01/2017)

Todavia, a jurisprudência vem admitindo o condomínio que efetuou a cessão de crédito como parte ativa, na qualidade de assistente:

62280863 - AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. CESSÃO DE CRÉDITO. SUBSTITUIÇÃO DO POLO ATIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. Impossibilidade. Cessão de crédito que não altera a legitimidade das partes. Cessionário que poderá intervir no feito como assistente litisconsorcial. Inteligência dos § § 1º e 2º, do art. 109, do CPC. Precedentes jurisprudenciais do colendo Superior Tribunal de Justiça e deste egrégio tribunal de justiça. Cessionário que deve ser incluído no polo ativo na qualidade de assistente, permanecendo a legitimidade ativa do condomínio. Provimento do recurso. (TJRJ; AI 0039235-76.2017.8.19.0000; Rio de Janeiro; Segunda Câmara Cível; Relª Desª Maria Isabel Paes Gonçalves; DORJ 16/10/2017; Pág. 209)

Na análise de alguns contratos disponíveis no mercado não há uma cessão específica de crédito, mas, garantia do crédito ou adiantamento da receita do condomínio, até um limite de taxas em aberto por condômino, mediante o pagamento por parte do condomínio de um X percentual incidente sobre o valor total dos créditos adiantados em favor da empresa garantidora, além de inúmeras obrigações, que o sindico assume, sem discutir as cláusulas contratuais, verdadeira adesão.

Mas, respondendo a indagação se a cessão de crédito é uma solução, não há dúvidas que sim, cabendo a cada condomínio analisar a relação custo x benefício, especialmente, relacionada a sua taxa de inadimplência.

Contrato é um instrumento bilateral, a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, de forma que as partes devem guardar desde o início de sua negociação, realização e rescisão os princípios da boa fé e da probidade.

É preciso frisar que o condomínio nessa relação contratual é consumidor, estando protegido pelas regras protetivas do Código do Consumidor.

Deixamos claro que o SIPCES não faz análise de contratos, razão pela qual o síndico antes de assinar qualquer contrato deve procurar orientação jurídica, evitando dissabores futuros.

Em breve o SIPCES vai proporcionar um curso/palestra sobre regras contratuais, enfocando as principais cláusulas que deve conter qualquer contrato, por mais singelo que seja.

Gedaias Freire da Costa
OAB-ES 5.536
Advogado e Vice-presidente do SIPCES