Barulho em condomínios leva moradores à Justiça

Reportagem jornal A Tribuna

Brigas por barulho em festas na madrugada, latido de cachorro, obras e até por causa de vagas de garagem estão  transpondo o muro dos condomínios e indo parar na Justiça.

Seja por confusão entre vizinhos ou entre síndico e condômino, o Poder Judiciário Estadual registra casos em que moradores não encontram a solução para o problema e acabam judicializando. Atualmente, 2.726 processos tramitam com o assunto “condomínio”.

“Atendo muitos casos de conflitos e o número de pessoas que busca a Justiça é enorme. São casos em que o condômino busca a solução legal mais extrema”, comentou o advogado de direito Imobiliário João Vitor Guimarães.

Foi o que fez um empresário de Vila Velha, que pediu para não ser identificado. Ele mora em um condomínio de Itapuã há 15 anos e disse que sempre conviveu com o som alto que vem da área de churrasco.

“Moro no primeiro andar, logo em cima da área da churrasqueira. Quando me mudei eu já sabia que teria de conviver com isso, mas não imaginava que seria durante a madrugada”, comentou.

Ele conta que já recorreu a tudo: buscou o síndico, tentou conversar com outros moradores, ligou par ao Disque-silêncio e até acionou a polícia. “Para piorar a situação, o condomínio fez uma assembleia que liberou uma área comum para atividades como futebol. Quem mora no primeiro andar não aguenta mais o barulho”, reclamou.

A última alternativa do empresário foi entrar na Justiça. Ele pretendia barrar as atividades na área comum e encontrar solução para o barulho na área de churrasco, mas o pedido foi negado neste ano pela juíza que acompanhou o caso.

“Com isso, foi criado um círculo de inimizade, pois muitos acham que apenas eu reclamo. Só quero ter meu direito de descansar”.

Também em Vila Velha, um só condomínio registrou mais de três ações por causa da garagem. O problema é que as vagas não são privativas, ou seja, quem chegar primeiro usa.

“Alguns moradores não deixavam os outros utilizar. Muitos se sentiam ameaçados e tivemos várias ações para liberar as vagas, mas nenhum caso foi julgado ainda”, disse Guimarães.

APLICATIVO PARA MEDIAR BRIGAS

Para evitar brigas dentro dos condomínios, síndicos da Grande Vitória estão participando de cursos, palestras e até utilizando aplicativos de celulares para mediar conflitos.

Síndico de um condomínios em Campo Grande, Cariacica, há dois anos Almir Pacheco conta que já presenciou diversos problemas, principalmente discussões iniciadas em grupos de WhatsApp.

Para evitar confusões ainda maiores e melhorar o atendimento aos moradores, ele buscou auxílio na tecnologia. Por meio do aplicativo Social Condon o morador faz observações, sugestões e críticas sobre os problemas e acontecimentos diretamente par ao síndico.

“Os moradores estão elogiando bastante e o clima no condomínio ficou mais tranquilo nos últimos três meses, desde que começamos a usar o aplicativo. Além da mensagem dos moradores, posso usá-lo para fazer enquetes e saber a opinião deles sobre alguns temas.”

Almir também participou da palestra sobre conflitos na Expo Condomínio deste ano. Para ele, esse tipo de evento é importante para que os síndicos tenham conhecimento sobre algumas leis.

“É interessante ter essa troca de experiência entre os síndicos para saber o que fazer em situações como essas. E não é só um tipo de conflito, pois ele ocorre entre os moradores e entre o morador e a gestão do condomínio e o síndico.”

Em novembro, o Sindicato Patronal de Condomínios (SIPCES) vai promover uma palestra para ensinar os síndicos a se portarem diante de situações de conflito.

“É bom ter esse cuidado, e os síndicos estão exercendo um papel muito importante de conciliadores. Ano passado, por exemplo, tivemos uma situação muito grave em que um morador agrediu um porteiro. É preciso evitar que algum problema chegue a esse ponto”, comentou o presidente do sindicato, Cyro Bach Monteiro.

Algumas brigas viraram caso de polícia. No ano passado, um síndico foi agredido por um morador que não era proprietário do apartamento. O morador ficou inconformado com a solicitação de vizinhos para que deixasse o imóvel após diversos problemas.

PROIBIÇÃO DE ANIMAIS TAMBÉM RESULTA EM PROCESSOS

A proibição de animais em apartamentos está entre os principais casos que vão parar na Justiça.

Na tentativa de evitar brigas por conta do latido e da sujeira, alguns condomínios proíbem a presença de cachorros em qualquer ambiente, o que tem revoltado alguns moradores.

“Já entrei com ações para liberar, pois apenas ter um animal não é impeditivo. Só pode impedir se o animal incomodar. É decisão, inclusive, do Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, afirmou o advogado de Direito Imobiliário João Vitor Guimarães.

Especialistas entendem que a Constituição e o código Civil não possuem restrição a qualquer bicho de estimação, independente do tipo de moradia ou do tamanho do animal. Foi com base nisso que o Tribunal de Justiça da Bahia decidiu, em junho, pela presença de um cão da raça doberman em um condomínio de luxo na cidade de Camaçari. O condomínio queria expulsar o animal por ser grande demais.

Em São Paulo, também neste ano, um grupo de condôminos ingressou com ação contra condomínio que só permitia que os animais andassem no colo. O TJ-SP acatou o pedido dos moradores.

MENOS PORTEIROS E OPÇÕES DE LAZER

A crise que fez aumentar o número de devedores da taxa condominial tem afetado diretamente o dia a dia dentro dos condomínio da Grande Vitória.

Para evitar dívidas por conta da arrecadação menor e cortar gastos, até mesmo o tempo de utilização da área de lazer tem sido reduzido.

De acordo com o presidente do Sindicato Patronal de Condomínios no Espírito Santo (SIPCES), Cyro Bach Monteiro, há casos em que a piscina só é liberada em alguns dias, já que o serviço de manutenção e limpeza agora é feito com menor frequência.

Alguns condomínios também estabeleceram horários para a utilização da sauna, da academia e das quadras de esporte, restringindo o uso à noite, por exemplo.

“Quando você reduz a utilização, economiza energia e água. Tudo isso reflete no custo final do condomínio. Deixando o horário em aberto, o condomínio tem de disponibilizar o serviço a qualquer hora do dia. Isso ajudou muito, pois houve redução no custo”, afirmou Monteiro.

Somente os condomínios associados ao SIPCES – que representam cerca de 30% dos condomínios do Estado – 1.011 moradores não pagaram a taxa em 2016. Neste ano, de janeiro a agosto, já são 467 devedores.

Síndico de um condomínio na Praia do Canto, em Vitória, Felipe Alcure optou por reduzir o serviço de porteiro para economizar.

“Todo mundo reclamava do aumento anual, então foi a única maneira de evitar prejuízo, pois 60% do custo do condomínio é com funcionário. Tínhamos quatro porteiros, agora temos apenas um e a entrada é toda automatizada”, explicou o síndico.

Alcure conta que o condomínio economizou R$ 5 mil por mês com o corte, além de reduzir a taxa de condomínio de R$ 605 para R$ 479.

“Deixamos de fazer dois reajustes que seriam feitos e não pretendemos aumentar mais a taxa. No início, alguns moradores não concordaram com a retirada dos porteiros, mas hoje em dia todos gostam da mudança”, comentou o síndico.

Parao advogado de Direito Imobiliário Diovano Rosetti, a restrição dos serviços é uma alternativa legal, desde que seja aprovada por maioria em assembleia entre os moradores.

“Se não acontecer essa aprovação pode dar problema, pois o morador pode até judicializar”, alertou o especialista.

IMÓVEL PODE SER PENHORADO

Moradores que deixaram de pagar a taxa condominial podem perder o imóvel de forma mais rápida. Isso porque o novo Código de Processo Civil, em vigor desde 2016, diz que o proprietário inadimplente é obrigado a pagar a dívida três dias após ser notificado pela Justiça.

Se isso não acontecer, é determinada a penhora do imóvel.

“O processo agora está levando cerca de três meses. Antes, era em torno de três anos, pois era preciso esperar a sentença final da Justiça”, explicou o advogado de Direito Imobiliário Diovano Rosetti.

Ele contou que essa forma de cobrança já está sendo utilizada na Grande Vitória.

“Do ano passado até este ano, já tive conhecimento de, pelo menos, 300 imóveis penhorados por inadimplência. Só eu já tratei de 17 casos”, afirmou.

Nos condomínios associados ao Sindicato Patronal de Condomínios no Espírito Santo (SIPCES) – que representa cerca de 30% dos condomínios do Espírito Santo – 1.011 moradores não pagaram a taxa em 2016. Desses, 138 foram parar na Justiça. O valor da dívida chegou a R$ 907.218,21.

Já neste ano, são 467 inadimplentes até agosto, sendo que 52 casos foram judicializados, num valor de R$ 292.533,66.

Em alguns casos, o condomínio chega a proibir o morador a utilizar o salão de festas para pressionar o pagamento da dívida.